Por André Azenha
Um dos grandes, gigantes, imortais da história do cinema. Poucos cineastas conseguiram criar um universo tão particular e viraram adjetivos. Já li e ouvi Kubrikiano, sobre Stanley Kubrick. E Felliniano: o retrato de pessoas deslocadas, seres grotescos, meio que circenses. Assinatura na filmografia de Federico Fellini.
O cineasta italiano nasceu em 20 de janeiro de 1920, na cidadezinha litorânea chamada Rimini. Lá, viveu até os 17 anos. O local serviu de inspiração para alguns de seus filmes: sua juventude, retratada em Os Boas-Vidas; os anos 40, em Amarcord.
Em 1937, foi à Florença tentar colocar algumas de suas charges na revista satírica 420. No ano seguinte, partiu para Roma pensando em estudar Direito.
Escreveu sketches de rádio, canções para Teatro de Revista, monólogos de humor. Uma oportunidade surgiu ao conhecer Aldo Fabrizi, que o levou para o Teatro de Revista. O amigo o levou a escrever o primeiro roteiro cinematográfico.
Inicialmente colaborou em roteiros do humorista Erminio Macario, sem ser creditado: Lo vedi come sei… lo vedi come sei?, Imputato Alzatevi! (ambos de 1939) e Il Pirata Sono Io! (1940),
Evoluiu ao trabalhar com Piero Tellini em Na Frente Há Lugar (Avanti c’È Posto, 1942), Cada Qual com Seu Destino (Campo di Fiori, 1943), A Última Carrozzella (L’Ultima Carrozzella (1943), entre outros.
Casou com a atriz Giulietta Masina (1920-1994) em 1943, com quem ficou junto até o fim. Ela estrelou sete de seus filmes. O casal se conheceu quando ela foi chamada para interpretar um personagem de Fellini adaptado para o rádio. A relação rendeu longas memoráveis: A Estrada da Vida (La Strada, 1954), o vencedor do Oscar de Filme em Língua Estrangeira Noites de Cabíria (Le Notti di Cabiria, 1957), Ginger e Fred (1986),
O diretor enfrentou um imenso drama quando Giulietta foi diagnosticada com câncer inoperável. Morreu de tristeza, saindo de cena pouco antes dela. O diretor partiu em 31 de outubro de 1993, Masina foi ao encontro do parceiro em 23 de março de 1994.
Dizem, Fellini teve relacionamentos fora do casamento, inclusive com Sandra Milo.
Conheceu o jovem diretor de cinema Roberto Rosselini em 1944, que o convidou para escrever o roteiro de Roma, Cidade Aberta (Roma città aperta, 1945). O clássico é o ponto de partida do neorrealismo italiano. Colaborou com Rosselini ainda em Paisà (1945), depois com Alberto Lattuada em Il Delitto di Giovanni Episcoopo, o episódio Il Miracolo do filme L’Amore (de Rosselini), no qual também interpretou o personagem principal: um vagabundo que Anna Magnani confunde com San Giuseppe.
Assinou vários roteiros de destaque: Em Nome da Lei, de Pietro Germi; O Moinho do Pó, de Lattuada, Francesco Giuliare di Dio, de Rosselini; O Caminho da Esperança, de Germi; e vários outros.
Formou ao lado de Lattuada, Masina e Carla del Poggio a cooperativa Capitolium, responsável prla produção de Mulheres e Luzes, inspirado nas aventuras da companhia de Teatro de Revista de Aldo Fabrizi, em 1939. Lattuada e Fellini assinaram a co-direção (este trabalho seria o meio, de Oito e Meio).
Seu primeiro filme sozinho – Abismo de Um Sonho (Lo sceicco bianco, 1952) – nasce das experiências de Fellini e Michelangelo Antonioni no mundo das fotonovelas. Era Antonioni quem seria o diretor, mas o produtor preferiu Fellini. Os dois dividem o roteiro com Tullio Pinelli e Ennio Flaiano. O longa concorreu ao Leão de Ouro no Festival de Veneza.
No mesmo festival viria a consagração. Recebeu o prêmio principal pelo já citado A Estrada da Vida (La Strada, 1954), premiado na categoria Filme em Língua Estrangeira e indicado a Roteiro Original no Oscar. Os neorrealistas alegaram que a obra feria sua estética. Sempre há alguém para reclamar. Fellini rebateu: “Não acredito na objetividade, pelo menos como a entendem, nem reconheço o conceito que fazem do neorrealismo, que, para mim, não esgota nem de longe o cunho do movimento a que me orgulho de pertencer”.
Sam Peckinpah, por outro lado, falava que este era o filme que sonhava fazer. Walt Disney manifestou interesse em conceber uma animação baseada na personagem Gelsomina, e licenciá-la para fabricação de bonecas. Fellini disse que poderia viver uns vinte anos só dos lucros dela.
A Doce Vida (La Dolce Vita, 1960) lhe rendeu a Palma de Ouro em Cannes. Outro clássico. Recebeu o Oscar de melhor figurino em preto e branco (para Piero Gherardi) e obteve indicações a direção de arte e duas só a Fellini: de direção e roteiro original. A obra recebeu ataques de moralistas, aos quais Fellini satiriza em um episódio de Boccaccio 70.
Em Oito e Meio levou ao público a história de um cineasta em crise artística e pessoal: uma autobiografia e espécie de premonição, pois em seguida ele interromperia o filme A Viagem de Guido Mastorna, com Ugo Tognazzi, nos primeiros dias, por se considerar incapaz de realizá-lo, assim como acontece com Marcello Mastroianni em Oito e Meio. Muitos consideram este longa sua obra-prima, novamente Oscar de Filme em Língua Estrangeira.
Experimentou as cores em Julieta dos Espíritos (Giulietta degli spiriti, 1965), acompanhou a revolução sexual dos jovens em Satyricon(1969), homenageou sua cidade em Roma (1972). Reciclou suas lembranças em Amarcord (1973), outra estatueta dourada de Filme em Língua Estrangeira em 1975. Curiosamente, a obra voltaria à premiação no ano seguinte, indicada às categorias de diretor e roteiro original.
Em 1993 recebeu o Oscar Especial pela carreira.
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