Cidade brasileira possui relação de amor com o Cinema

 

Cine Roxy, em 1939.

Santos tem tradição cinematográfica. Segue como um dos município com a maior média de público por sessões de cinema do país. Uma relação que data de 1897 (dois anos após os irmãos Lumière realizarem sua primeira projeção na França), com sua primeira exibição cinematográfica, e, a partir daí, os santistas se apaixonaram pelo cinema, chegando a ser a cidade com maior número de salas por habitante do Brasil nos anos 30, a famosa “Cinelândia” – hoje tem 18 salas comerciais e 5 públicas de cinema, além de cineclubes, e cursos de graduação e pós-graduação em audiovisual.

Uma tradição que foi mantida durante décadas, contribuindo para que Santos se tornasse referência nacional na cultura cinéfila, a partir de nomes como o francês Maurice Legeard, o maestro Gilberto Mendes, o estivador e artista plástico Argemiro Antunes, o Miro, e a fundação do Clube de Cinema e, depois, a Cinemateca, as famílias Freixo e Campos (respectivamente proprietárias das redes Iporanga e Roxy), e o crítico Rubens Ewald Filho, o “homem do Oscar”, crítico de cinema mais famoso do país e que sempre batalhou pela preservação da memória cinematográfica.

Cinemas da rua de Santos. Imagens: A Tribuna.

Partes essenciais dessa história foram os cinemas de rua como Cine Roxy (firme e forte até hoje), Cine Indaiá, Cine Iporanga, Cine Alhambra, Cine Atlântico, Cine Ouro Verde, Cine Polytheama Rio Branco (depois Paramount), Cinema Theatro Dom Pedro, Cine São José, Cine Carlos Gomes, Cine Teatro Coliseu, Cine Teatro Guarany, Cine Caiçara, Cine Gonzaga, Cine Itajubá, Cine Caiçara, Cine Independência, Cine Júlio Dantas, Cinema 1, Cine Praia Palace, Cine Teatro Fugitive, Cine Astor, Cine Paratodos, Cine Teatro Campo Grande, Cine Casino, Cine Miramar (antigo, no Boqueirão), Cine Avenida, Cine Bandeirantes, Cine Santo Antonio, Cine Bandeirantes, Cinema do Clube XV (ao ar livre), Cine Glória, nos quais a população encontrava, perto de casa, opções de lazer e cultura, tendo a chance de descobrir filmes que se tornariam clássicos e cults.

Na Baixada Santista, importantes festivais pavimentaram o caminho, como o Festival de Guarujá, nos anos 70, e o Festival de Cinema Brasileiro de São Vicente, na virada do século.

Maurice Legeard.

Três profissionais foram fundamentais para que Santos desenvolvesse tal cultura cinematográfica: o francês Maurice Legeard, fundador do Clube de Cinema e depois da Cinemateca de Santos, que promoveu a questão da cinefilia e trouxe filmes de várias partes do mundo até então inéditos na região, o já citad crítico de cinema Rubens Ewald Filho, batalhador da preservação da memória cinematográfica e que levou o nome de Santos ao país, e Toninho Campos, do Cine Roxy, cuja história consiste em apoiar cineastas locais, festivais, receber pré-estreias com presenças de grandes nomes do cinema brasileiro.

Toninho Campos, do Cine Roxy, na festa de 80 anos do cinema. Foto: Nara Assunção.

Não podem ser esquecidos também a professora Márcia Okida, criadora do primeiro curso universitário da trabalhar o audiovisual na região, Multimídia, na Unisanta, o Instituto Querô, ONG que forma jovens em situação de vulnerabilidade e que são inseridos no mercado, Waldemar Lopes, artista plástico e crítico de cinema, que com suas exposições, palestras e textos contribui para a preservação da memória cinematográfica, o site Cinezen Cultural, inaugurado pelo crítico André Azenha em 2009, Eduardo Ricci e o Cineclube Lanterna Mágica, na Unisanta, e nomes reconhecidos nacionalmente como Luciano Quirino, Jandira Martini, Bete Mendes, Sergio Mamberti, Nuno Leal Maia, Ney Latorraca, Afonso Poyart, Rodrigo Bernardo, Luiz Zanin, Maria do Rosário Caetano, entre outros. Espaços como o Cine Arte Posto 4, inaugurado em 1991, também contribuem para a expansão desse público.

Cine Arte Posto 4.
Rubens Ewald Filho, homenageado no Santos Film Fest 2018.

No âmbito dos festivais, destaque para o Santos Film Fest, herdeiro e que preserva essa tradição, que presenteou a Baixada com um festival de maneira completa, com curtas e longas, filmes estrangeiros, sendo vitrine fundamental da produção regional, promovendo intercâmbio, levando o nome de Santos pelo país e pelo mundo, se comportando como vanguarda com suas homenagens, pré-estreias exclusivas, mostras competitivas, lançamentos de livros, exposições. Sua maior edição foi em 2018, com mais de 100 filmes – pela primeira vez na região um festival apresentou programação tão extensa.

Cine Roxy

Quando exibiu pela primeira vez o clássico Cântico dos Cânticos (The Song of Songs, 1933, de Rouben Mamoulian e estrelado por Marlene Dietrich), em 15 de março de 1934, provavelmente o empresário Antonio Campos, que já possuía outros cinemas na cidade, não imaginou que estava iniciando uma jornada diferente, que viraria o século e chegaria ao dias apresentes. Seu filho, Francisco Campos, deu continuidade ao legado, mantido por Antonio Campos Neto, o Toninho Campos. O Cine Roxy – cujo nome foi inspirado no cinema homônimo e colossal de Nova York inaugurado em 1927 e influenciou diversas salas de projeção no Brasil na primeira metade do século XX – acompanhou as transformações da indústria, se atualizou sem perder seu charme e sua essência, viu a chegada da televisão, do VHS, do DVD, do blu-ray, da pirataria e do streaming e seguiu firme e forte, como principal opção dos santistas. Quando os cinemas multiplex chegaram ao Brasil, transformou sua longa sala de 1440 lugares em cinco salas.

Cine Roxy nos anos 1980. Foto: A Tribuna.

Inicialmente, o cinema comportava mais de 3 mil pessoas. Nesta época o Roxy já encantava o público santista por apresentar uma infraestrutura aos moldes das grandes salas dos EUA, incluindo o moderníssimo ar condicionado. Na segunda metade da década de 1950, passou por grandes reforma e modernização, finalizada em outubro de 1957. Reabriu para exibir Ilha dos Trópicos, dirigido por Robert Rossen e estrelado por James Mason e Joan Fontaine.

Totalmente remodelado, passou a contar com 1500 confortáveis poltronas instaladas em sala devidamente inclinada e uma das maiores do país. O tratamento acústico da sala recebeu revestimento de Eucatex e som estereofônico com quatro faixas magnéticas.

Na virada dos anos 90 para os 2000, chegaram as salas de cinema em shoppings, menores do que o costume, no sistema multiplex. O Roxy não ficou atrás e a partir de 2003 passou a contar com cinco salas no tradicional endereço da Avenida Ana Costa.

Uma curiosidade: nessas décadas, o filme que ficou mais tempo em cartaz foi Ghost: do Outro Lado da Vida, exibido durante quase um ano e meio entre o Roxy e o Cine Indaiá, quando este último foi dirigido por Toninho Campos.

O Roxy acompanha os principais lançamentos, desde os blockbusters até filmes premiados e independentes, bem como espetáculos musicais e competições esportivas. Colabora no fomento cultural e artístico, através de parcerias com festivais, projetos, produtores culturais, cineastas e artistas. Por isso, costuma ser a escolha das distribuidoras e produtoras para as avant-premières em Santos, cujos resultados superam ou igualam aquelas feitas em capitais. E não deixa de incentivar a produção local, cedendo espaço para estreias de trabalhos realizados na Baixada.

A cada estreia, o Roxy coloca em prática um forte trabalho de divulgação na mídia regional, mediante ações de marketing e assessoria de imprensa, para disseminar informações dos filmes que serão lançados. Após o debute do longa, segue-se um trabalho que visa mantê-lo na lembrança do público.

Por exemplo, nos últimos lançamentos da franquia Star Wars, o Cine Roxy 5 contou com apresentações da Banda Marcial de Cubatão (em formato orquestra) levando ao público a trilha sonora da saga, ao ar livre, em frente ao cinema, além das presenças de cosplayers devidamente trajados como os personagens dos filmes. Esse tipo de ação acontece com frequência e é destaque na cidade, nos veículos de comunicação, e repercutem nacionalmente, visando divulgar as estreias.

Atores como Alexandre Borges, Alessandra Negrini, Milhem Cortaz, Emílio Orciollo Netto, Suzana Pires, Leandra Leal, o elenco mirim de Detetives do Prédio Azul, a banda Titãs, o Rei Pelé, entre muitos outros artistas e profissionais de destaque, lançaram seus respectivos filmes no Cine Roxy.

Durante todos os anos, o Cine Roxy abre espaço para lançamentos de produções locais, de curtas, médias e longas-metragens. Foi sede e recebe festivais e mostra de cinema locais e de âmbito nacional.

Calçada da Fama

Em 24 de junho de 2004, mais de 10 emissoras de tevê estrangeiras, além de dezenas nacionais, marcaram presença no Cine Roxy. Foi quando estreou “Pelé Eterno”. Na ocasião, o Rei do futebol esteve presente e registrou suas mãos na Calçada da Fama do Cine Roxy. Com estrelas distribuídas pelo hall de entrada do cinema, o espaço cujo nome é referência ao irmão mais velho hollywoodiano, valoriza profissionais que levam o nome da Baixada Santista a todo o país.

Na Calçada da Fama do Cine Roxy estão imortalizados, por exemplo, o jogador Neymar, o cantor Chorão, o crítico Rubens Ewald Filho, os atores Nuno Leal Maia, Sérgio Mamberti, Luciano Quirino, o produtor Toninho Dantas, o maestro Gilberto Mendes,  os surfistas Cisco Araña e Picuruta Salazar, entre outros.

Com a pandemia da covid-19, em 2020 o Roxy ficou quase oito meses fechado e enfrentou diversas dificuldades. A movimentação na internet e milhares de pedidos do público santista por uma campanha de colaboração virtual, mais a comoção de artistas, esportistas e profissionais importantes de diferentes áreas, mais uma vez mostraram que o cinema é uma fênix, capaz de sobreviver e ressurgir com força após a tempestade. Não à toa, venceu quatro prêmios ED, o “Oscar” dos exibidores e distribuidores no Brasil.

Cine Roxy, o epicentro dessa cultura cinéfila

Se o Roxy se manteve diante todas as transformações da indústria, ampliou sua atuação com salas em São Vicente, Cubatão (sendo a única rede do país a possuir unidades de rua, dentro de shoppings e no meio de um parque, o cubatense Anilinas), muito é devido à atuação do empresário Antonio Campos Neto, o Toninho Campos. Paulistano de nascimento, mas santista de vida e coração: se mudou para a cidade praiana ainda aos dez anos.

Chegou a ser dono de cinemas no Rio Grande do Sul. Mas foi no litoral paulista que fez história. Graças a ele e sua casa noturna Heavy Metal, os santistas puderam ver, no início dos anos 1980, shows de bandas como Paralamas do Sucesso, Titãs, Gang 90, e muitas outras. Alguns desses artistas, principalmente aqueles vindos do Rio de Janeiro, se apresentavam pela primeira vez no Estado de São Paulo, justamente em solo santista.

No Caiçara Clube, realizou, entre tantos, shows da Legião Urbana (em que Renato Russo saiu antes do fim da apresentação), Camisa de Vênus (que resultou num clássico álbum ao vivo) e o último do Barão Vermelho com Cazuza.

É no cinema em que sua vida tem sido dedicada. É fã do clássico Doutor Fantástico (1964) e de Sparcatus (1960), ambos de Stanley Kubrick. Perguntado certa vez desde quando estava no Roxy, respondeu: “a vida inteira”. Quando questionado o que faz profissionalmente, ele diz que “vende sonhos”.  Costuma dizer, também, que detesta dizer “não” aos inúmeros pedidos que recebe para emprestar suas dependências a ONGs, creches, escolas públicas, asilos, projetos sociais, realizadores de audiovisual locais. A gratidão do povo santista pôde ser comprovada na corrente de apoio ao Roxy em 2021, com milhares de doadores na campanha de arrecadação virtual que visava manter o cinema em funcionamento. Que venham muitas décadas de Cine Roxy!

Santos Film Fest, a cidade no circuito internacional de festivais

Realizado com sucesso em 2014 e 2015, ainda como Mostra Cine Brasil Cidadania, reunindo filmes de longa-metragem brasileiros contemporâneos inéditos na Baixada Santista, a partir de 2016, com a inclusão de produções estrangeiras e a necessidade de atender à demanda e aumentar a programação, passou a se chamar Santos Film Fest – Festival Internacional de Cinema de Santos.

Nestes anos, exibiu cerca de 500 filmes, nacionais e estrangeiros, promoveu mais de 120 atividades formativas gratuitas entre bate-papos, oficinas e masterclasses, além de exposições, lançamentos de livros e apresentações musicais com artistas regionais, envolvendo mais de 500 profissionais das mais diversas áreas culturais.

O Festival vem ressaltando a importância da representatividade, com filmes e presenças de artistas negros, LGBTQIA+, mulheres. Com objetivos de ser uma vitrine para a produção audiovisual da Baixada Santista, colocar estes cineastas em contato com cineastas de outras cidades, estados e até países, fortalecer o intercâmbio cultural, preservar a memória cinematográfica, a formação de público para o cinema e a cultura como um todo, o caráter educativo e turístico da cultura, e o acesso público a bens culturais, o Santos Film Fest tem se caracterizado pelo caráter itinerante, levando sessões e atividades a áreas em situação de vulnerabilidade social de Santos, escolas públicas, bem como levando crianças de creches e escolas públicas ao Cine Roxy.

O SFF homenageou artistas como os atores Luciano Quirino (santista) e Ondina Clais, que passaram a batizar os troféus de homenagens do festival, as cineastas Eliane CaféAndrea Pasquini, Angela Zoé, Julia Katharine (primeira diretora trans a ter um filme no circuito comercial brasileiro), Adelia Sampaio (primeira cineasta negra brasileira a ter um filme no circuito comercial), o crítico Rubens Ewald Filho, o ator Paulo Betti, os diretores Daniel RezendeSergio Rezende e Rodrigo Aragão, além dos 15 anos do Instituto Querô. Realizou exposições sobre Sonia Braga, Julie Andrews, Rubens Ewald Filho (com o acervo pessoal do crítico), e voltadas à cultura pop. Em 2021 surgiu a Coleção Santos Film Fest, com livros no formato pocket registrando autobiografias de Adelia Sampaio, Ondina Clais, Rubens Ewald Filho, e as coletâneas de artigos Grandes Interpretações do Cinema Brasileiro, de Waldemar Lopes, e Grandes Curtas: Curtas-Metragens de Grandes Cineastas, de André Azenha. Todos estes livros estão disponíveis em versão e-book para download gratuito no site do festival.

Entre as pré-estreias e exibições hors-concours realizadas pelo evento, destacam-se a pré-estreia de Turma da Mônica Laços, ne abertura do festival em 2019, com presença de todo o elenco e do diretor Daniel Rezende, BenzinhoFerrugem (com presenças dos atores protagonistas), SP: Crônicas de Uma Cidade Real, com o diretor Elder Fraga e elenco, Linha de Frente Brasil, também de Elder, entre outros.

Entre os clássicos, exibiu Fellini Oito e Meio, em cópia restaurada 4K, Dona Flor e Seus Dois Maridos (celebrando 40 anos do lançamento de uma das maiores bilheterias do cinema nacional), Hair, etc.

Tem feito parcerias com consulados do Canadá, França (com a Cinemateca Francesa também), Suécia e distribuidoras como Paris Filmes, Vitrine Filmes, Imagem Filmes, Elo, etc. Nas duas últimas edições recebeu inscrições de filmes de países como Portugal, Colômbia, Costa Rica, Argentina, Uruguai, sendo o primeiro festival do litoral paulista e contar com mostra internacional.

Em todas as edições realizou uma Virada Cinematográfica na Cinemateca de Santos, geralmente de sexta para sábado, iniciando 23h30 e indo até a manhã do dia seguinte, exibindo três filmes em sequência e com café da manhã gratuito para quem fica até o fim.

Em 2018, estabeleceu parceria com cidades criativas da Unesco e teve como um dos temas os 17 objetivos sustentáveis da Agenda 2030 da ONU.

Em 2019, iniciou uma parceria com a Mauricio de Sousa Produções, com um Cantinho da Leitura reunindo mais de 1500 gibis que depois do festival foram doados para creches da região – parceria esta que tem se repetido em sessões natalinas e filantrópicas.

O SFF foi o primeiro festival é realizar e manter uma mostra competitiva de longas, no estado de São Paulo, fora da capital e o primeiro da Baixada Santista a tratar dos 17 objetivos sustentáveis da ONU.

Entre 2020 e 2021, o festival se manteve e cresceu, com 3 edições virtuais, sendo uma exclusivamente voltada a filmes dirigidos ou produzidos por mulheres, com mais de 70produções.

Na parte formativa, de palestras, bate-papos, workshops, o festival contou com cineastas, atores e atrizes, produtores, professores, curadores, críticos de cinema e jornalistas como Adelia Sampaio, Sergio Rezende, Julia Rezende, Paula Barreto, Ferrez, Ismail Xavier, Fabio Rodrigo, Lufe Steffen, Diego da Costa, Elder Fraga, Ondina Clais, Luciano Quirino, Luiz Carlos Merten, Rubens Ewald Filho, Rodrigo Aragão, Waldemar Lopes, Julia Katharine, Jamer Guterrez de Mello, Rogério Ferraraz, Tamiryz Ohana, Sílvio Tendler, Andrea Pasquini, Angela Zoé, Daniel Veiga, Jacque Cortez, Ivan13P, Rodrigo Rema, Wladimyr Cruz, Delson Matos Gomes, Camila Kater, Paola Becca (Stop Motion Our Fest), Barbara Cerro (BIT BANG Fest), Marcos Magalhães (Anima Mundi), Tammy Weiss, Maristela Bizarro, Nágila Guimarães (WIFT Brasil), entre muitos outros.

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