Argentina, 1985 fala ao Brasil

Argentina, 1985. 


Vencedor do Globo de Ouro em Filme Estrangeiro e disponível no Prime Vídeo da Amazon, Argentina, 1985 narra a história verídica dos promotores públicos Julio StrasseraLuís Moreno Ocampo, que ousaram investigar e processar a ditadura do país (1976-1983).

Strassera inicialmente achava que o processo daria em nada. Via colegas de magistrado e do governo civil, então recém-restaurado, relutantes. Agiu tal qual o Eliot Ness de Kevin Costner em Os Intocáveis (1987, de Brian de Palma). Cercado por policiais e políticos veteranos subordinados ao mafioso Al Capone, o agente do Tesouro Americano seguiu o conselho do experiente e honesto policial Jim Malone (Sean Connery) e foi buscar jovens idealistas na academia de polícia. No caso, o impetuoso George Stone (Andy Garcia). Strassera, dessa maneira, arregimentou uma equipe de jovens sonhadores e determinados, que não foram contaminados pelos erros de velhos medrosos e corruptos.

O protagonista é interpretado por Ricardo Darín, o ator argentino preferido dos brasileiros, de Clube da Lua, O Filho da Noiva, Um Conto Chinês, Relatos Selvagens, Nove Rainhas, O Segredo dos Seus Olhos e tantos outros. Não vou cair naquela de dizer que o cinema argentino é superior ao brasileiro. Conversa para outro momento. Darín é tipo vinho, fica melhor a cada trabalho.  

E por mais que mostre situações de um país que muitas vezes os brasileiros desconsiderem por rivalidades futebolísticas, Argentina, 1985, é um filme que fala direto ao nosso povo. 

Mostra que lá, após sete anos de ditadura - um terço de tempo do que durou a ditadura no Brasil, mas não menos sangrenta ou violenta, pelo contrário, pois o regime perseguiu, sequestrou, torturou, assassinou milhares de pessoas inocentes - os hermanos fizeram a lição de casa e botaram atrás das grades os militares responsáveis. Aqui, até houve a Comissão da Verdade anos atrás, mas longe da eficiência do país vizinho.

Na canção KGB, do CD Como Estão Vocês? (2003), os Titãs alertavam:

Ainda estão enterrados debaixo da cama. Desaparecidos, generais de pijama. Estão bem guardados no fundo do armário. Sequestradores e sequestrados. Ainda vão todos voltar e vão voltar todos juntos. Ainda vão todos voltar para assombrar o mundo”.

Pois é, aqui deixamos passar incólumes assassinos de farda. E essa falta de punição resultou em quatro anos do pior governo da história do país, de seres que sonham torturar, proibir, ditar regras, têm sanha pelo poder e se excitam com tudo isso. Não falo dos militares corretos, que sabem e entendem as forças armadas como instituições de estado, não de governo. Não generalizo a instituição, apesar da caterva que, volta e meia na história do Brasil, interfere na democracia.

Que Argentina, 1985, cuja narrativa lembra bastante longas-metragens e séries de tribunal hollywoodianos, e nem por isso perde valor, sirva de lição para nós após os atentados terroristas de 8 de janeiro de 2023. E que os boçais enfrentem, dentro do processo democrático, o rigor da lei, chafurdem no xilindró e tenham seu lugar de direito na lata de lixo da história.


Postar um comentário

0 Comentários