Poderia ser
há muito tempo atrás, numa galáxia muito distante. Ou numa realidade paralela.
Mas existiu de verdade e eu estava lá.
No século
XX houve algo chamado década de oitenta. Período da história no qual
apresentadoras de programas infantis ora apareciam seminuas, ora faziam
bullying na plateia infantil, bandas de rock – nestes mesmos programas infantis
– cantavam “eu quis comer você”, crianças estampavam embalagens de cigarrinhos
de chocolate, entre várias situações politicamente incorretas que atualmente
fariam mães e pais enlouquecerem.
Um outro
“fenômeno” dessa época foi o cinema brucutu, ou o cinema do “exército de um
homem só”. Consistia basicamente no sujeito fortão, de preferência dos Estados
Unidos, de moral inabalável, que ia para algum país do continente americano ou
na Ásia – de preferência uma ilha ou no meio da selva – dizimar centenas de
inimigos.
Tempos de
Era Reagan na presidência dos Estados Unidos. Latinos, soviéticos, asiáticos
eram os inimigos. Os grandes astros desse tipo de filme: Sylvester Stallone e
Arnold Schwarzenegger.
Como tudo
que dá certo financeiramente e vira moda, os dois geraram subprodutos. E dá-lhe
filmes estrelados por Chuck Norris (Braddock), Michael Dudikoff (American
Ninja), Dolph Lundgren (Soldado Universal, Justiceiro),
Jean-Claude Van Damme (O Grande Dragão branco, Kickboxer),
Steven Seagel (Nico: Acima da Lei), Wesley Snipes (Passageiro
57) e outros.
De todos
esses, só Wesley Snipes – e Van Damme com boa vontade – realmente integrou o
primeiro time de Hollywood. Os demais faziam sucesso em produções B, que iam
muito bem no mercado de home vídeo, telefilmes, mas alcançavam o grande público
no Brasil pela TV aberta, nas Telas Quentes da vida.
Tínhamos a
impressão de serem grandes estrelas. Sabe aqueles versos da música Geração
Coca-Cola, da Legião Urbana? “Quando nascemos fomos programados a
receber o que vocês, nos empurraram com os enlatados dos USA das nove às seis”.
Pois é.
Poucos
conseguiam ter atuações no mínimo decentes. Precisavam somente mostrar os
músculos (exceto Seagal, sempre fora de forma), dizer algumas frases de efeito
e, quando conseguiam, ter algum carisma. Ficávamos felizes! Éramos crianças,
não tínhamos senso crítico. Se bem que muitos adultos daqueles anos não
pareciam ter senso crítico (e até hoje não têm). Anos depois perceberíamos os
tons de xenofobia, misoginia daquelas histórias, capazes de levarem Donald Trum
ao orgasmo. Na ocasião, porém, queríamos ver explosões, lutas, e o herói
ficando com a garota no final. Não importa quem fossem os vilões ou como eram
retratados.
Essa onda
ocorreu num momento em que os Estados Unidos precisavam “vingar” o Vietnã. Não
raras vezes os protagonistas iam resgatar ex-prisioneiros de Guerra na nação
asiática e destruir tudo o que havia pela frente. Também precisavam retratar o
“terceiro mundo”, a ameaça comunista etc. Na década seguinte à explosão dos
filmes de kung fu, tão populares nos cinemas baratos dos subúrbios americanos,
que também influenciou o hype do cinema de ação oitentista.
Mr.
Universe e Mr. Olympia, o austríaco Arnold Schwarzenegger transformou-se num
ator notadamente limitado. Entretanto, da sua geração foi quem conseguiu
desenvolver uma das carreiras mais diversificada neste segmento. Interpretou
bárbaro adaptado dos gibis (Conan), androide vindo do futuro
(franquia Exterminador do Futuro), enfrentou alienígena na
Amazônia (O Predador), viajou à Marte fazer
justiça e encontrar a amada (O Vingador do Futuro).
Um dos
grandes sucessos do astro é justamente um filme que não tinha nada de diferente
do contexto geral. Na verdade, soava subproduto de Rambo: Programado
Para Matar (1982).
Comando
Para Matar (Commando) é testosterona
pura. O roteiro é de Steven E. de Souza, a partir de história dele e Matthew
Weisman e Joseph Loeb III. Este último é mais conhecido dos fãs da DC e da
Marvel por Jeph Loeb, de histórias em quadrinhos importantes (Batman: O
Longo Dia das Bruxas, Batman Silêncio), e produtor
televisivo das séries Demolidor, Legião, Agentes
das SHIELD, Jessica Jones, etc.
Steven E.
de Souza escreveria outros longas do gênero ação de destaque dos anos 1980: 48
Horas (1982), Duro de Matar (1988) e,
depois, Lara Croft: Tom Raider (2003).
Incrível é
pensarmos que foram necessários quatro sujeitos para dar vida à trama tão
básica: John Matrix (Arnold) é ex-militar cuja filha é raptada por mercenários
e parte para salvá-la dizimando uma ilha inteira. Um antepassado de Busca
Implacável, com Liam Neeson?
Os bandidos
atuam sob as ordens de um golpista, que deseja se tornar presidente de uma
republiqueta das bananas fictícia chamada Val Verde. Matrix precisa assassinar
o mandatário da pequena nação e ter a filha de volta.
Mark L.
Lester, o diretor, não fez algo digno de nota na carreira – ok, dirigiu Massacre
no Bairro Japonês (Showdown in Little Tokyo, 1991), que tinha
Dolph Lundgren, Brandon Lee e Tia Carrere e passava sempre no Brasil. Aqui dá
closes no bíceps suado de Schwarzenegger, o filma em contra-plongée (debaixo
para cima) para revelar sua grandiosidade.
Acompanhamos
Matrix carregando um tronco de árvore, saltando do avião em pleno voo,
levantando e jogando uma cabine telefônica com gente dentro, levantando e
jogando um automóvel! Ele é capaz, até, de sentir a aproximação do inimigo
conforme a direção do vento! Ensina a filha Jenny (Alyssa Milano, de
carreira duradoura) a lutar – aí me lembrei de Leônidas ensinando o filho
em 300.
Quando abre
a boca, solta frases de efeito. Novamente, foram necessários quatro
profissionais para desenvolverem o roteiro? Ou estavam tirando sarro mesmo?
– Você é
engraçado. Gostei de você. Por isso vou matar você por último”, diz a um dos
vilões.
Quando
explica a Cindy (Rae Dawn Chong), que o ajuda na empreitada, o motivo de
tanta violência e que alguém deseja mata-lo, ela responde:
– Te
conheço a cinco minutos e já quero matá-lo”.
Depois, em
outra briga num quarto de motel, quando o algoz ressalta que foi boina verde,
Matrix emenda:
– Eu com
boinas verdes no café da manhã”.
Em outro
momento, quando investigam a situação e tentam encontrar o paradeiro de John e
sua filha, um soldado pergunta ao major general Franklin Kirby (James Olson):
– O que o
senhor está esperando?
A resposta:
– A
terceira guerra mundial.
Orçado em
US$ 10 milhões, Comando Para Matar faturou mais de US$
57 milhões mundo afora. Traz o zeitgeist (espírito da época) e ajudou a
alavancar a carreira de Arnold Schwarzenegger.
Comando
Para Matar
Commando.
Estados Unidos. 1985.
Direção: Mark L. Lester.
Com Arnold Schwarzenegger, Rae Dawn Chong, Dan Hedaya, Vernon Wells, James
Olson, David Patrick Kelly, Alyssa Milano, Bill Duke.
90 minutos.
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