Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off, 1986)



Um clássico absoluto que marcou uma geração e continuou conquistando admiradores nas décadas seguintes, Curtindo a Vida Adoidado se tornou o que é, devido a uma série de fatores.

A obra máxima de John Hughes, cineasta que melhor compreendeu o universo da adolescência na história do cinema, tem roteiro certeiro, gags imperdíveis, ótimo elenco, representa o desejo de milhões de adolescentes e, principalmente: possui, dentro de sua trama cômica, um subtexto universal resumido na frase do protagonista Ferris Bueller, interpretado por Matthew Broderick: “A vida se move muito rápido. Se você não para e olha em volta de vez em quando, pode perdê-la”. É papo sério no formato de cultura pop.

Inacreditavelmente escrito por Hughes em apenas seis dias, para evitar uma greve do sindicato dos roteiristas, a comédia mostra um dia na vida do protagonista. E é só “o” dia começar que logo percebemos o porquê Ferris virou figura cult, célebre, ídolo da garotada que ainda brincava de He-Man e jogava Atari nos anos 1980.

Ferris não precisa ser fortão, atleta ou garanhão para conquistar nossa simpatia. Ele é simplesmente… legal. Ou “cool”. Dos nerds aos atletas, das patricinhas às garotas de torcida, não há quem resista ao carisma do rapaz, inclusive seu melhor amigo Cameron (Alan Ruck) e sua namorada, Sloane (Mia Sara).


Ao acordar e perceber que o céu está lindo, o protagonista decide que não pode desperdiçar um dia especial indo à escola. Finge estar doente, monta um aparato invejável no quarto para despistar os pais, tira Cameron de casa e Sloane da escola e sai (na Ferrari pertencente ao pai do amigo) para curtir os locais mais descolados de Chicago. Quem não sonhou usar os truques dele na época de colégio para fugir da aula?

Por tabela, causa a revolta do diretor (Jeffrey Jones) mala da escola e da irmã mais velha e invejosa (Jennifer Grey), que faz de tudo para entregar o caçula.

Divertido do início ao fim, Curtindo a Vida Adoidado já nasceu clássico. Apesar das roupas e penteados característicos da década de 80, as situações apresentadas durante a trama são atemporais.

Entre tantas cenas inesquecíveis, aquela que mostra Ferris em cima de um carro alegórico, num desfile de cultura alemã em Chicago, e que leva milhares de pessoas a cantarem determinada música, conseguiu o feito de fazer uma canção que foi interpretada pelos Beatles ser mais lembrada pelo filme do que a gravação dos fab fourTwist and Shout, de Phil Medley e Bert Russell.

Mas nada sairia tão na mosca se o elenco não demonstrasse tamanha química e desenvoltura em cena.


Matthew Broderick, apesar de não ser mais um garoto na época das filmagens, caiu como uma luva para o papel principal. Sua atuação lhe rendeu uma indicação ao Globo de Ouro de Ator em Comédia/Musical. O jeitão moleque, simpático, um pouco cínico, cúmplice do espectador (já que mais de uma vez olha para a câmera e dialoga com o público) fizeram o personagem impulsionar a carreira do intérprete, que mesmo mantendo-se trabalhando e famoso ao longo dos anos, jamais repetiu o feito.

Os demais não ficam atrás. A Sloane de Mia Sara (que depois faria filmes B como Timecop, com Van Damme) une classe, certa ingenuidade e sensualidade. O par ideal para Ferris.

Alan Ruck, na casa dos 30 anos no período das gravações, não aparenta a idade e completa de forma perfeita o trio protagonista na pele do sujeito inseguro que teme o pai e, a qualquer momento, pode se revoltar.

Jennifer Grey – que passou a namorar Broderick durante a produção e, no ano seguinte, estrelaria outro sucesso, Dirty Dancing, ao lado de Patrick Swayze – está perfeitamente insuportável como a irmã megera.

Há ainda: um surpreendente Jeffrey Jones (mais magro que seu personagem em Amadeus) vive o diretor rabugento; o novinho Charlie Sheen (no mesmo ano fez Platoon) em pequena aparição; os atores Cindy Pickett e Lyman Ward (que se casaram na vida real), respectivamente a mãe e o pai de Ferris; até os dois “figuraças” do estacionamento onde Ferris, Sloane e Cameron deixam a Ferrari. Todos estão em sintonia com o espírito da obra.


Com trilha sonora deliciosa, Curtindo a Vida Adoidado garante sorrisos do início ao fim, principalmente para os jovens, que vibram a cada façanha do herói. Ferris, na mesma década que deu ao mundo Rambo e tantos “heróis” anabolizados, foi o verdadeiro ícone da garotada.

John Hughes faleceu em 6 de agosto de 2009, vítima de um infarto em Nova York, onde passava suas férias.

Chamado de Spielberg das comédias sobre jovens, ídolo de Kevin Smith (Procura-se Amy), o cineasta, que retratou suas histórias sempre  nos arredores de Chicago, nasceu em 1950, num dia 18 de fevereiro, em Lansing, Michigan. Estudou na Glenbrook North High School e deu início à sua brilhante carreira escrevendo, na década de 70, para a humorística National Lampoon’s Magazine.

Seu talento como criador impressionava. Era capaz de escrever um roteiro em uma semana e tinha a sensibilidade necessária que muitos pais não tiveram e ainda não possuem: compreender os adolescentes, fazer o jovem identificar-se, falando de forma realista e natural para esse público. Os nerds, então, encontraram nele um amigo, um confidente, deixaram de ser o motivo de chacota para virarem heróis. Hughes nos deu esperança.


Roteirizou Class Reunion (1982), Nate and Hayes e Vacation (ambos de 1983), mas foi em 1984 que ele começou a ganhar o mundo, lançando ao estrelado a atriz Molly Ringwald, a Juno da década de 80, em Gatinhas e Gatões, primeiro de quatro produções celebradas e inesquecíveis: as outras três são Clube dos Cinco e Mulher Nota 1000, os dois lançados em 1985, e o já citado Curtindo…, do ano seguinte.

Todos clássicos absolutos. Filmes que jamais nos enjoam, com tramas divertidas, universais e atemporais. Afinal, não importa o ano ou a década, sempre vai haver um garoto deslocado em busca de identificação.

Fora esse “tato” para levar compreensão e felicidade à garotada, o cineasta foi pródigo em catapultar a carreira de novos talentos. Revelou, além de Molly, atores como Emilio Estévez, e seu irmão Charlie Sheen, o próprio Matthew Broderick e até Macaulay Culkin, este último em Quem vê Cara Não vê Coração (1989).

Produziu A Garota de Rosa Shocking (outro estrelado por Molly) e Alguém Muito Especial, filmes dirigidos por Howard Deutch, que foi lançado por ele, e ainda foi roteirista e produtor de vários longas infantis de sucesso como os três Esqueceram de Mim (1990, 1992 e 1997), Dennis, o Pimentinha (1993), Ninguém Segura esse Bebê (1994), 101 Dálmatas (1996), Flubber (1997) e Nadando Contra a Corrente (1998).


Viveu recluso nos últimos anos, longe da mídia, o que tornou maior seu mito. Ainda colaborou com roteiros de Os Viajantes do Tempo (2001), Encontro de Amor (2002) e Meu Nome é Taylor, Drillbit Taylor (2008).

Seu legado para o cinema é imenso. American PieEla É DemaisNunca Fui BeijadaMal Posso Esperar10 Coisas que Eu Odeio em VocêDe Repente 30Ela Não Está Tão a Fim de VocêJuno, Stranger Things e Deadpool (na quebra da quarta parede, imitando até a cena pós-crédito) beberam diretamente na fonte da escola John Hughes.

Curtindo a Vida Adoidado fez imenso sucesso. Orçado em US$ 6 milhões, rendeu mais de US$ 70 milhões nas bilheterias mundiais. No Brasil foi reprisado várias e várias vezes, conquistando gerações de fãs.

Curtindo a Vida Adoidado
Ferris Bueller’s Day Off
Estados Unidos. 1986.
Direção: John Hughes.
Com Matthew Broderick, Alan Ruck, Mia Sara, Jeffrey Jones, Jennifer Grey, Cindy Pickett, Lyman Ward, Lyman Ward, Edie McClurg, Charlie Sheen.
103 minutos.





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