Um clássico
absoluto que marcou uma geração e continuou conquistando admiradores nas
décadas seguintes, Curtindo a Vida Adoidado se tornou o
que é, devido a uma série de fatores.
A obra
máxima de John Hughes, cineasta que melhor compreendeu o universo da adolescência
na história do cinema, tem roteiro certeiro, gags imperdíveis, ótimo elenco,
representa o desejo de milhões de adolescentes e, principalmente: possui, dentro
de sua trama cômica, um subtexto universal resumido na frase do protagonista
Ferris Bueller, interpretado por Matthew Broderick: “A vida se move muito
rápido. Se você não para e olha em volta de vez em quando, pode perdê-la”. É
papo sério no formato de cultura pop.
Inacreditavelmente
escrito por Hughes em apenas seis dias, para evitar uma greve do sindicato dos
roteiristas, a comédia mostra um dia na vida do protagonista. E é só “o” dia
começar que logo percebemos o porquê Ferris virou figura cult, célebre, ídolo
da garotada que ainda brincava de He-Man e jogava Atari nos anos 1980.
Ferris não precisa
ser fortão, atleta ou garanhão para conquistar nossa simpatia. Ele é
simplesmente… legal. Ou “cool”. Dos nerds aos atletas, das patricinhas às
garotas de torcida, não há quem resista ao carisma do rapaz, inclusive seu
melhor amigo Cameron (Alan Ruck) e sua namorada, Sloane (Mia Sara).
Ao acordar
e perceber que o céu está lindo, o protagonista decide que não pode desperdiçar
um dia especial indo à escola. Finge estar doente, monta um aparato invejável
no quarto para despistar os pais, tira Cameron de casa e Sloane da escola e sai
(na Ferrari pertencente ao pai do amigo) para curtir os locais mais descolados
de Chicago. Quem não sonhou usar os truques dele na época de colégio para fugir
da aula?
Por tabela,
causa a revolta do diretor (Jeffrey Jones) mala da escola e da irmã mais velha
e invejosa (Jennifer Grey), que faz de tudo para entregar o caçula.
Divertido
do início ao fim, Curtindo a Vida Adoidado já nasceu
clássico. Apesar das roupas e penteados característicos da década de 80, as
situações apresentadas durante a trama são atemporais.
Entre
tantas cenas inesquecíveis, aquela que mostra Ferris em cima de um carro
alegórico, num desfile de cultura alemã em Chicago, e que leva milhares de
pessoas a cantarem determinada música, conseguiu o feito de fazer uma canção
que foi interpretada pelos Beatles ser mais lembrada pelo filme do que a gravação dos fab
four. Twist and Shout, de Phil Medley e Bert Russell.
Mas nada
sairia tão na mosca se o elenco não demonstrasse tamanha química e desenvoltura
em cena.
Matthew
Broderick, apesar de não ser mais um garoto na época das filmagens, caiu como
uma luva para o papel principal. Sua atuação lhe rendeu uma indicação ao Globo
de Ouro de Ator em Comédia/Musical. O jeitão moleque, simpático, um pouco
cínico, cúmplice do espectador (já que mais de uma vez olha para a câmera e
dialoga com o público) fizeram o personagem impulsionar a carreira do
intérprete, que mesmo mantendo-se trabalhando e famoso ao longo dos anos,
jamais repetiu o feito.
Os demais
não ficam atrás. A Sloane de Mia Sara (que depois faria filmes B como Timecop,
com Van Damme) une classe, certa ingenuidade e sensualidade. O par ideal para
Ferris.
Alan Ruck,
na casa dos 30 anos no período das gravações, não aparenta a idade e completa
de forma perfeita o trio protagonista na pele do sujeito inseguro que teme o
pai e, a qualquer momento, pode se revoltar.
Jennifer
Grey – que passou a namorar Broderick durante a produção e, no ano seguinte, estrelaria outro sucesso, Dirty Dancing, ao lado de Patrick
Swayze – está perfeitamente insuportável como a irmã megera.
Há ainda: um surpreendente Jeffrey Jones (mais magro que seu personagem em Amadeus)
vive o diretor rabugento; o novinho Charlie Sheen (no mesmo ano fez Platoon)
em pequena aparição; os atores Cindy Pickett e Lyman Ward (que se casaram na
vida real), respectivamente a mãe e o pai de Ferris; até os dois “figuraças” do
estacionamento onde Ferris, Sloane e Cameron deixam a Ferrari. Todos estão em
sintonia com o espírito da obra.
Com trilha
sonora deliciosa, Curtindo a Vida Adoidado garante
sorrisos do início ao fim, principalmente para os jovens, que vibram a cada
façanha do herói. Ferris, na mesma década que deu ao mundo Rambo e tantos
“heróis” anabolizados, foi o verdadeiro ícone da garotada.
John Hughes
faleceu em 6 de agosto de 2009, vítima de um infarto em Nova York, onde passava
suas férias.
Chamado de
Spielberg das comédias sobre jovens, ídolo de Kevin Smith (Procura-se Amy),
o cineasta, que retratou suas histórias sempre nos arredores de Chicago,
nasceu em 1950, num dia 18 de fevereiro, em Lansing, Michigan. Estudou na
Glenbrook North High School e deu início à sua brilhante carreira escrevendo,
na década de 70, para a humorística National Lampoon’s Magazine.
Seu talento
como criador impressionava. Era capaz de escrever um roteiro em uma semana e
tinha a sensibilidade necessária que muitos pais não tiveram e ainda não
possuem: compreender os adolescentes, fazer o jovem identificar-se, falando de
forma realista e natural para esse público. Os nerds, então, encontraram nele
um amigo, um confidente, deixaram de ser o motivo de chacota para virarem heróis.
Hughes nos deu esperança.
Roteirizou Class
Reunion (1982), Nate and Hayes e Vacation (ambos
de 1983), mas foi em 1984 que ele começou a ganhar o mundo, lançando ao
estrelado a atriz Molly Ringwald, a Juno da década de
80, em Gatinhas e Gatões, primeiro de quatro produções
celebradas e inesquecíveis: as outras três são Clube dos Cinco e Mulher
Nota 1000, os dois lançados em 1985, e o já citado Curtindo…, do
ano seguinte.
Todos
clássicos absolutos. Filmes que jamais nos enjoam, com tramas divertidas,
universais e atemporais. Afinal, não importa o ano ou a década, sempre vai
haver um garoto deslocado em busca de identificação.
Fora esse
“tato” para levar compreensão e felicidade à garotada, o cineasta foi pródigo
em catapultar a carreira de novos talentos. Revelou, além de Molly, atores como
Emilio Estévez, e seu irmão Charlie Sheen, o próprio Matthew Broderick e até
Macaulay Culkin, este último em Quem vê Cara Não vê Coração (1989).
Produziu A
Garota de Rosa Shocking (outro estrelado por Molly) e Alguém
Muito Especial, filmes dirigidos por Howard Deutch, que foi lançado por
ele, e ainda foi roteirista e produtor de vários longas infantis de sucesso
como os três Esqueceram de Mim (1990, 1992 e
1997), Dennis, o Pimentinha (1993), Ninguém
Segura esse Bebê (1994), 101 Dálmatas (1996), Flubber (1997)
e Nadando Contra a Corrente (1998).
Viveu
recluso nos últimos anos, longe da mídia, o que tornou maior seu mito. Ainda
colaborou com roteiros de Os Viajantes do Tempo (2001), Encontro
de Amor (2002) e Meu Nome é Taylor, Drillbit Taylor (2008).
Seu legado
para o cinema é imenso. American Pie, Ela É
Demais, Nunca Fui Beijada, Mal Posso
Esperar, 10 Coisas que Eu Odeio em Você, De
Repente 30, Ela Não Está Tão a Fim de Você, Juno, Stranger
Things e Deadpool (na quebra da quarta
parede, imitando até a cena pós-crédito) beberam diretamente na fonte da escola
John Hughes.
Curtindo
a Vida Adoidado fez imenso sucesso. Orçado
em US$ 6 milhões, rendeu mais de US$ 70 milhões nas bilheterias mundiais. No
Brasil foi reprisado várias e várias vezes, conquistando gerações de fãs.
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