Olhando em perspectiva, há quem ache o Batman dos anos 1960 engraçado. Nesse sentido, Adam West seria, na verdade, um sucessor de Lewis Wilson (1920-2000), que duas décadas antes vestiu o uniforme no cinema. O primeiro de vários atores que encarnariam o herói. Em junho de 1943, O Morcego chegou às matinês cinematográficas dos EUA em 15 episódios com cerca de vinte minutos cada, quatro anos após o personagem ganhar as páginas das HQs.
A televisão não era um meio acessível e popular como seria anos depois. Ir aos cinemas, nos fins de semana, era um dos principais passatempos das famílias dos Estados Unidos. Principalmente depois da Grande Depressão, quando houve desemprego. O cinema era um meio de entretenimento barato. E ir às matinês significava passar tardes dentro de uma sala de cinema, onde eram exibidos cinejornais (geralmente com propaganda de guerra), curtas-metragens, episódios de cinesséries e um longa-metragem.
O estúdio Columbia Pictures tinha expertise em produzir cinesséries. Realizou em 1942 The Secret Code - dirigida Spencer Gordon Bennet e estrelada por Paul Kelly e Anne Nagel, apresenta o herói mascarado Comando Negro, que enfrenta sabotadores nazistas, inspirado pelo sucesso alcançado de Spy Smasher, da Republic Pictures, no mesmo ano. E não podemos esquecer da cinessérie em animação Superman, dos irmãos Fleischer, que colocou o primeiro super-herói da Era de Ouro enfrentando japoneses mostrados como incompetentes e desastrados.
A abertura de O Morcego provoca risos. Batman, melancólico, está em sua escrivaninha, na Batcaverna. Morceguinhos de papel voam para lá e para cá até um serelepe Robin dar as caras. A dupla sai de cena abraçada, dando vazão àqueles comentários maliciosos tidos como brincadeira por muitas pessoas – mas que foram sugeridos de forma séria e homofóbica pelo alemão que se intitulava psiquiatra (e era charlatão) Fredric Wertham (do livro Seduction of The Innocent).
O uniforme é nitidamente mais folgado que o corpo nada convincente do ator. Os chifres do capuz ficam caídos. A máscara de Robin lembra a do Zorro, com elástico prendendo-a ao redor da cabeça.
Durante a trama, Batman deixa a capa cair (e ela volta intacta na cena seguinte), cigarros (!) voam do cinto de utilidades (no sexto episódio, há vídeos no YouTube com a cena), o protagonista ressurge inteirinho depois de quedas mortais e, ainda por cima, o carro utilizado pelo Cruzado de Capa é o mesmo de Bruce Wayne. Se contar a história em si. Batman e Robin não atuam na clandestinidade.Agem com o aval da lei. E combatem uma figura excêntrica: Dr. Tito Daka.
Lambert Hillyer (1893-1969), responsável pela direção de todos os episódios de O Morcego e cujo currículo reúne mais de 50 trabalhos entre longas-metragens e cinesséries de 1917 e 1948, e que desenvolveu parceria com o ator caubói William S. Hart para uma série de faroestes que resultaram em fazer de Hart uma estrela, tinha experiência em dirigir projetos a toque de caixa, Mas conseguia realizar cenas de ação que atraiam o público e agradava, assim, aos estúdios. Também trabalhou em tramas de propaganda de guerra. No mesmo ano da cinessérie, em 1943, foi responsável pelas cenas de combate aéreo do longa Bombardeio, apesar de não ser creditado.
O roteiro de O Morcego é assinado por Victor McLeod (1903–1972), que tinha experiência em faroestes e filmes de terror, e Leslie Swabacker (1885–1955), de menor filmografia, com somente oito créditos no site IMDB e histórico em filmes de ação, suspense e faroeste.
Para interpretar Batman foi escalado Lewis Wilson (1920-2000), o mais jovem ator a interpretar o personagem nas telonas. Teve breve carreira, principalmente entre 1943 e 1954, quando trabalhou em pouco mais de dez obras, entre filmes e cinesséries. Graduado na Worcester Academy, em Worcester, Massachusetts em 1939, sua família tinha antiga conexão com a escola, já que seus pai e avô ali se formaram. O Morcego foi sua estreia no cinema, aos 23 anos. Após o término da guerra, Wilson e a família foram para a Califórnia, onde o ator e a esposa se juntaram à organização cultural Pasadena Playhouse. Seu último filme foi Naked Alibi, de Jerry Hopper, em 1954. Depois deste trabalho, o ator deixou a carreira para trabalhar na General Foods por muitos anos. Faleceu em San Francisco, aos 80 anos, em 2000. Sua única esposa foi Dana Natol, com quem ele se casou antes mesmo de iniciar a trajetória cinematográfica. O casal teve um filho, Michael G. Wilson, que seria produtor e roteirista conhecido por seu envolvimento com a franquia James Bond. Wilson e Dana se divorciariam e ela mais tarde se casaria com Albert R. ("Cubby") Broccoli, produtor da franquia James Bond.
A escolha dos produtores para Robin foi Douglas Croft (1926-1963), natural de Seattle. Cuja mãe, Beatrice Hayden, casou-se com o ator de cinema mudo Stanhope Nelson Wheatcroft. Eles se divorciaram em 1922. Croft e a mãe se mudaram para São Francisco. O divórcio de seus pais foi amargo e, na época em que nasceu, em agosto de 1926, Stanhope Wheatcroft tentou declarar a morte de Beatrice para que ele pudesse parar de pagar a pensão alimentícia.
Croft estava morando com sua mãe em Los Angeles, Califórnia, em 1941. Fascinado por estrelas de cinema, um agente de talentos o viu vagando perto de um estúdio. Por volta de setembro de 1941, Douglas começou a usar o nome artístico de Douglas Croft. Seu primeiro trabalho no cinema foi um pequeno papel em Remember The Day. Novas oportunidades surgiram e Croft seria o primeiro ator a interpretar o personagem de quadrinhos Robin na tela grande.. Tal qual seu colega de atuação Lewis Wilson, foi o ator mais jovem a interpretar Batman, Crof é o intérprete mais jovem de Robin até hoje. Ele serviu nas forças armadas dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Em fevereiro de 1947, foi gravemente ferido em um acidente de motocicleta que matou o motorista John J. Masterson, de 19 anos. Sua despedida do cinema foi a pequena participação em Killer McCoy, de 1947. O ator faleceu em 24 de outubro de 1963 em Los Angeles de intoxicação alcoólica aguda e doença hepática, aos 37 anos.
Linda Page, interesse romântico de Bruce Wayne Batman, ganhou vida pela atuação de canadense Shirley Patterson (1922-1995), natural de Winnipeg. Inicialmente modelo, passaria a atuar no cinema e trabalhou para a Columbia (1942-44), MGM (1945-46) e PRC (1946-47). Atuou principalmente em seriados, como O Morcego e nas comédias Os Três Patetas e faroestes de baixo orçamento. Se afastou do cinema entre o fim dos anos 1940 e início da década seguinte e depois ressurgiu sob o nome de Shawn Smith como co-estrela em vários filmes de ficção científica e séries de TV cultuados. Quebrou a perna em oito lugares em um acidente de esqui no resort de montanha Big Bear, na Califórnia, em 1958, que a levou a se aposentar prematuramente da indústria cinematográfica.
E chegamos ao vilão de O Morcego, Doutor Tito Daka, interpretado por J. Carrol Nailsh (1896-1973). É interessante notar que para viver um japonês foi escalado um ator branco ocidental norte-americano, à maneira do Mr. Yunioshi de Mickey Rooney em Bonequinha de Luxo (1961). Esse tipo de situação, o uso de yellowface, ocorreu durante muitos anos em Hollywood, revelando a luta que foi para que minorias conseguissem espaço na disputada indústria do entretenimento: vale lembrar que o clássico O Nascimento de Uma Nação (1915), de D. W. Griffith, tinha atores brancos interpretando personagens negros (blackface).
Em 1943, já estava estabelecido nas histórias em quadrinhos que o principal inimigo do Batman era o Coringa, personagem criado por Jerry Robinson, Bill Finger e Bob Kane e apresentado pela primeira vez na revista em quadrinhos Batman número 1, de abril de 1940. Seria a escolha natural para ser o vilão em uma adaptação cinematográfica do Batman: um personagem que não precisaria de efeitos visuais completos, mas somente maquiagem. No entanto, os responsáveis pela cinessérie preferiram criar um vilão até então inédito nas histórias do Batman: o Dr. Tito Daka, personagem maquiado, que faz uso da yellowface e não era um vilão original das histórias em quadrinhos. O que evidencia a escolha, pelos produtores, de um vilão que pudesse retratar o “inimigo” dos norte-americanos da época, um japonês.
Este ator interpretou personagens de diferentes etnias durante sua carreira: seria indicado ao Oscar naquele mesmo ano por interpretar o italiano Giuseppe, em Sahara, dirigido por Zoltan Korda e protagonizado por Humphrey Bogart, seria Charlie Chan na série de TV dos anos 1950 As Novas Aventuras de Charlie Chan, havia feito o pai chinês de Loretta Young, Sun Yat Ming, em Vingança de Buda (1932), e seria um camponês mexicano em A Morte de uma Ilusão (1945).
Nada disso obviamente impediu o sucesso da produção, que, inclusive, influenciou os gibis: pela primeira vez na mitologia do personagem a Batcaverna foi mostrada e, Alfred (William Austin), retratado como alguém magro e de bigode fino.
Em 1965, o seriado O Morcego seria relançado no formato maratona com o título An Evening with Batman and Robin e faria mais sucesso ainda. Não por que os espectadores o acharam bom. Mas davam gargalhadas ao assisti-lo. A Fox decidiu produzir uma nova versão do homem-morcego, dessa vez nas telinhas e o resto é história...
A Volta do Homem-Morcego
A Volta do Homem-Morcego, de 1949, repetiria o sucesso e as esquisitices do seriado anterior. Apresenta um total de 15 episódios e foi distribuído pela Columbia Pictures, sendo lançado nos Estados Unidos em 16 de maio de 1949.
Nesta série, Batman e Robin foram interpretados respectivamente por Robert Lowery (1913-1971), que atuou em mais de 180 produções, entre séries e longas, e Johnny Duncan (1923-2016).
Na trama, o antissocial Professor Hammil (William Fawcett) cria um aparelho remoto capaz de controlar todos os veículos da cidade. Um misterioso sujeito conhecido como Mago rouba o equipamento. A dupla dinâmica atua ao lado do comissário Gordon (Lyle Talbot) buscando a captura do inimigo. E, claro, salvam a repórter Vicki Vale (Jane Adams) em diversas situações.
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