Entre o fim dos anos 1980 e início da década seguinte, o Campeonato Italiano era o maior do mundo. No Brasil, nos reuníamos em frente à televisão para acompanhar as transmissões da Band.
Nascido em 1980, minhas principais lembranças são da temporada vencida pela Sampdoria de Toninho Cerezo. Um ano após o Napoli de Maradona e Careca levar o Scudetto. Os comentários eram de Sílvio Lancellotti. Elegante. A narração, do seu xará e inigualável Silvio Luiz.
Muito antes de Tiago Leifert tentar transformar o jornalismo esportivo em algo mais leve e gerar uma onda de imitadores que nutelizaram as transmissões e mesas redondas, o paulistano Sylvio Luiz Perez Machado de Sousa levava alegria aos espectadores de maneira espontânea e com talento.
Silvio Luiz (saiu o y e foi adotado o i em seu "nome artístico") e Osmar Santos (dos bordões "ripa na chulipa", "pimba na gorduchinha" e criador do apelido "animal" de Edmundo), mudaram para sempre a maneira dos narradores atuarem. Me marcaram muito mais que Luciano do Valle (a maior voz entre eles) e Galvão Bueno.
Nos campos verdes da Velha Bota, Silvio Luiz tornava-se um maestro de emoções. Conduzia as partidas com sua voz inconfundível e uma série de bordões que se transformaram em marca registrada. "Pelas barbas do profeta", proclamava diante de lances inesperados, como se convocasse uma divindade futebolística para testemunhar a magia em campo.
"Pelo amor dos meus filhinhos" escapavam de seus lábios, mistura de incredulidade e encanto diante de jogadas espetaculares. Silvio não apenas narrava. Vivia cada momento, transmitindo a paixão do torcedor com uma autenticidade que conquistava até mesmo quem não acompanhava de perto o esporte.
Havia ocasiões em que o inusitado acontecia, e Silvio não hesitava em proclamar: "Desandou a maionese". Era a maneira peculiar de descrever um jogo que escapava do roteiro esperado, uma reviravolta que mantinha os ouvintes à beira de seus assentos, ansiosos por mais surpresas.
"Quê que eu vou dizer lá em casa?", a perplexidade diante de decisões polêmicas ou erros crassos. Seus comentários não eram apenas sobre o jogo, mas uma conversa franca com os ouvintes.
Adicionava camadas de análise e humor aos eventos. "Acerta o seu aí, que eu arredondo o meu aqui", dizia no início das partidas.
"Tá lá um corpo estendido no chão!", quando alguém sofria falta ou se machucava.
"Esse até minha vó fazia", exclamava quando um lance simplesmente não atendia ao padrão de excelência esperado. A sinceridade, combinada com um toque de humor, aproximava os ouvintes do jogo e dos protagonistas, transformando uma partida comum em uma experiência memorável.
E quando o ápice da emoção se aproximava, Silvio Luiz soltava o característico "No paaaaaaauuu!!!", quando a bola explodia na trave.
Nos jogos da seleção ou dos campeonatos ocorridos no Brasil, soltava o melhor grito de gol sem precisar repetir o que acabara de acontecer entre as quatro linhas. "É mais um gol brasileiro meu povo! Encha o peito, solte o grito da garganta e reveja comigo no replay. Foi, foi, foi ele! … O craque da camise número… Eram jogados… minutos…"
Não recordo se todos esses bordões foram ditos nas transmissões do Campeonato Italiano (além do citado no parágrafo anterior). Talvez algumas eu tenha visto quando narrou a Copa do Brasil no SBT. Não importa. A memória afetiva me faz sonhar quando comia o macarrão feito pela minha mãe aos domingos e eu sentava no chão, em frente à tevê, com meu saudoso pai deitado no sofá.
Silvio Luiz não é apenas um narrador de futebol; é um contador de histórias. Imortalizou as transmissões da era de ouro do Campeonato Italiano. Em cada palavra entusiástica e em cada bordão, um eco imortal nos corações dos amantes do esporte.
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