Ela estrelou um dos filmes mais lembrados na história do cinema, "...E o Vento Levou", mas foi proibida de comparecer à estreia. Primeira atriz negra a conquistar um Oscar, não teve permissão para se sentar à mesma mesa que os colegas de elenco na cerimônia de premiação. Reduzida a papéis de empregada pelos brancos e rejeitada pelos negros, que questionavam sua adesão ao estereótipo imposto por Hollywood, Hattie McDaniel morreu sem um tostão. A estatueta foi levada pelos ventos, mas a lealdade a si mesma permaneceu inabalável. A frase mais marcante não foi escrita por roteiristas: "Prefiro interpretar uma criada por 700 dólares a ser uma por 7".
No testamento, a atriz solicitou duas coisas: ser sepultada no cemitério Hollywood Forever e que seu Oscar fosse doado à Universidade Howard. Após sua morte, enfrentou mais uma adversidade: o cemitério não admitia negros, mesmo famosos.
Nascida em Kansas, EUA, em 1893, McDaniel era a caçula de 13 filhos de ex-escravos em busca de uma vida melhor. Mais inclinada ao ritmo gospel do que aos livros, subiu aos palcos para ajudar financeiramente a família. A determinação em não seguir o destino de servidão reservado às mulheres pretas a levou a formar um grupo de vaudeville, quando sua veia cômica se destacou. Pintava o rosto de branco, algo incomum para mulheres da época – uma crítica à blackface feita por atores causasianos.
Após o colapso de 1929, que devastou este espetáculo, a artista mudou-se para Milwaukee. Em busca de trabalho, aceitou uma posição de assistente no banheiro feminino em um hotel, mas teve a vida transformada ao subir no palco durante uma noite vazia e cantar para os músicos. Abandonou o trabalho nos banheiros e tornou-se a estrela do local por dois anos.
Destacar-se no entretenimento nos anos trinta a levou a Hollywood, mas a realidade para os negros na indústria não era fácil. O Código Hays proibia romances interraciais e papéis violentos para negros. McDaniel, embora tenha escapado da servidão, na vida real, não pôde evitar interpretar empregadas nas telas. Seu destaque chamou a atenção de John Ford em 1934, resultando em dezenas de filmes e tornando-a um rosto familiar nos EUA.
David O. Selznick, produtor de ... E o Vento Levou, deu a McDaniel o papel de Mammy, desafiando estereótipos. Apesar da atuação sarcástica e altiva, ela permaneceu dentro do clichê da criada sem vida própria. Na estreia em Atlanta, em 15 de dezembro de 1939, com 300 mil pessoas presentes, a lei Jim Crow a impediu de comparecer. Apesar das críticas, ela desempenhou o papel com maestria, declarando amar Mammy por entender sua própria avó, que trabalhava em uma plantação semelhante a Tara.
Em 29 de fevereiro de 1940, fez história ao subir ao palco do Oscar como a primeira mulher negra a ser premiada. Vestindo turquesa e com gardênias brancas, pronunciou um discurso emocionado agradecendo à Academia. No entanto, a presença dela foi restrita a uma pequena mesa no fundo, longe das estrelas, devido à segregação racial na Califórnia.
O impacto deste triunfo levou anos para ser compreendido. Até Sidney Poitier vencer um Oscar por Uma Voz nas Sombras, doze anos depois, nenhum ator negro recebeu a estatueta. McDaniel enfrentou não apenas desafios na indústria, mas também na vida afetiva, sendo associada aos "círculos de costura", termo para as lésbicas de Hollywood.
O sucesso de ...E o Vento Levou a tornou incrivelmente popular, mas também a estigmatizou. Após a Segunda Guerra Mundial, enquanto a indústria mudava, continuou sendo associada a papéis de criada e participou de A Canção do Sul, hoje criticado pela Disney. No final da carreira, voltou ao rádio, protagonizando um programa como a primeira mulher afro-americana a ganhar mil dólares por semana, embora sua vitória tenha sido efêmera devido a um tumor detectado em seu peito.
Hattie McDaniel faleceu em 26 de outubro de 1952, aos 57 anos. O desejo de ser enterrada no cemitério Hollywood Forever foi negado, e seu Oscar nunca foi encontrado. Algumas histórias sugerem que foi jogado no rio Potomac durante os distúrbios após o assassinato de Martin Luther King Jr., enquanto outras afirmam que está perdido em algum porão. Paradoxalmente, seu Oscar, símbolo valioso, foi o último tesouro que lhe restou após uma vida de trabalho, parte do qual foi destinado a ajudar colegas menos afortunados.
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