Crítica | O Corvo (2024): Barriga de tanquinho não combina com tragédia



Quando se pensa em refilmagens, o novo "O Corvo" de 2024 é uma prova de que nem todos os cults deveriam ser ressuscitados. Tentando voar alto tal qual o original de 30 anos atrás, que se tornou objeto de culto graças à combinação trágica da morte de Brandon Lee durante as filmagens e a estética gótica, o novo longa, dirigido por Rupert Sanders, apenas plana em círculos, sem rumo e sem alma (com o perdão da ironia). E olha que, pelo jeito, foi exatamente isso que o cineasta quis: ignorar a magia do passado e se aventurar por um caminho que acaba não levando a lugar algum.

Sanders, famoso — ou deveríamos dizer infame? — por dirigir "Branca de Neve e o Caçador" (2012), já havia nos mostrado que tem talento para transformar histórias fascinantes em produções visivelmente bonitas, porém vazias. E parece que ele trouxe essa mesma energia para "O Corvo". Em entrevistas, ele deixou claro que não estava nem aí para o passado. Talvez essa falta de preocupação explique por que seu novo projeto não só falha em honrar o legado do original, como tropeça feio ao tentar construir algo relevante para o presente ou o futuro.

Nos anos 1970, Nova York era uma cidade mergulhada em caos e violência urbana, repleta de gangues, assaltos e assassinatos. Esse cenário desolador inspirou uma onda de histórias sobre justiça com as próprias mãos, refletindo o medo e a frustração de uma sociedade que via a ordem desmoronar. Foi nesse contexto que surgiu, no cinema, "Desejo de Matar", estrelado por Charles Bronson, e nas histórias em quadrinhos, "O Justiceiro", da Marvel. Ambos em 1974. Essas obras mostravam protagonistas vingativos que perderam entes queridos e buscavam vingança. Enfrentavam o crime com brutalidade e capturavam o espírito sombrio de uma época em que a lei parecia incapaz de proteger os cidadãos.


Além de "Desejo de Matar", outros filmes exploraram a violência urbana de Nova York. "Taxi Driver" (1976) , de Martin Scorsese, mergulhava na psique perturbada de um veterano de guerra que se tornava justiceiro. "Warriors. Os Selvagens da Noite" (1979) retratava gangues lutando pelo controle da cidade. "Perseguidor Implacável" (1971), com Clint Eastwood, popularizou o arquétipo do policial durão que não seguia as regras para garantir que os criminosos pagassem por seus crimes. Esse cenário de violência e justiça impiedosa ajudou a moldar a cultura pop dos anos seguintes, e "O Corvo", em 1994, pegou essa essência e a misturou com uma estética gótica e uma trilha sonora rock and roll que parecia um videoclipe do The Cure, ambientado em uma cidade que poderia muito bem ser Gotham City. E funcionava. Mesmo a dublagem brasileira não tirava este encantamento nas exibições da tevê aberta no Brasil, quando o assisti pela primeira vez. 

Na nova versão, Eric (Bill Skarsgård) e a namorada Shelly (FKA Twigs) são brutalmente assassinados por um grupo de criminosos ligados ao sombrio passado dela. No entanto, o jovem tem a chance de redimir-se. Ele retorna dos mortos para vingar a si mesmo e a amada, buscando corrigir os erros do passado e fazer justiça e salvar a alma da garota. A trama explora a jornada de Eric, que atravessa os mundos dos vivos e dos mortos na tentativa de encontrar e punir os responsáveis por suas mortes. O que no original era simplificado e pautado por flashbacks, aqui perde-se um bom tempo para tentar criar uma conexão entre o casal que soa insosso. 

Eric é interpretado por Bill Skarsgård. o filho de Stellan e irmão de Alexander (o Eric, vejam só, de True Blood). Bill se esforça para ser um protagonista sombrio e acaba mais parecendo um figurante perdido num videoclipe do The Killers. Aliás, barriga de tanquinho não combina com tragédia.


FKA Twigs, que assume o papel de Shelly, passa o tempo todo sussurrando como se estivesse tentando seduzir uma cobra num comercial de perfume. 

Apesar de todos os esforços para se distanciar do original, Sanders e sua equipe caem em clichês. É uma colcha de retalhos mal costurada. A tentativa de dar profundidade ao vilão — novamente interpretado pelo sempre disponível Danny Huston, que deve ter assinado um contrato vitalício para ser "o cara do mal" em qualquer produção baseada em gibis (foi vilão em “30 Dias de Noite” e “X-Men Origens: Wolverine”) — é tão superficial que faz a lama parecer profunda. Se já não fosse suficiente, o filme nos brinda com uma montagem paralela que tenta evocar o épico "O Poderoso Chefão 3", misturando uma ação sangrenta com uma ópera. 

O visual? Ah, sim, está tudo ali: imagens bonitas, fotografia de encher os olhos. O problema é que uma bela embalagem não salva um presente ruim. E, no caso de "O Corvo", o presente é uma história que não se sustenta. .

"O Corvo" não consegue sequer sair do ninho. Com um roteiro que não instiga, personagens que não convencem e uma direção mais preocupada em ser "moderna", falha em criar qualquer impacto. Se depender dessa versão, o corvo só vai mesmo é sobrevoar o esquecimento.

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