Crítica | Tipos de Gentileza: O Novo Prato do diretor de Pobres Criaturas que Chegou Frio e Sem Tempero nos Cinemas



Após o sucesso estrondoso de Pobres Criaturas (Poor Things), que levou o diretor grego Yorgos Lanthimos ao mainstream e rendeu a Emma Stone um segundo Oscar de melhor atriz (o anterior foi por La La Land, de Damian Chazelle), era natural que a expectativa para o próximo prato desse "chef” do cinema fosse alta. Com Tipos de Gentileza (Kinds of Kindness), o cineasta nos serve um novo filme - desta vez, apesar de interessante, parece que o prato saiu da cozinha um pouco apressado e sem sal suficiente.

A parceria entre Lanthimos e Emma Stone continua rendendo frutos (ela esteve ainda em A Favorita, pelo qual recebeu indicação de atriz coadjuvante pela Academia). Entretanto, o resultado aqui é menos impactante do que em seus trabalhos anteriores. Stone, das atrizes mais versáteis de sua geração, retorna ao lado de um elenco de peso. Jesse Plemons, de  Ataque dos Cães e O Irlandês, Margaret Qualley, a filha de Andie MacDowell que brilhou em Era Uma Vez em… Hollywood (de Tarantino) e em breve estará em A Substância (com Demi Moore), Willem Dafoe, sempre impressionante e recentemente visto em O Farol e Pobres Criaturas), Hong Chau, que ganhou destaque em A Baleia), Mamoudou Athie, de Arquivo 81, e Joe Alwyn, que tem consolidado sua carreira em dramas independentes.  Todos se reúnem para dar vida às três histórias desconcertantes que compõem o filme.

Lanthimos opta por uma estrutura tríptica, onde três histórias desconectadas compartilham os mesmos atores. Essa ideia, que remete ao clássico Ontem, Hoje e Amanhã (Ieri, Oggi, Domani, 1963), de Vittorio De Sica, estrelado por Sophia Loren e Marcello Mastroianni, aqui ganha contornos muito mais sombrios e estranhos. Enquanto De Sica nos oferecia comédia e romance, Lanthimos aposta na crueldade surreal e na bizarrice desconcertante, ingredientes que têm se tornado sua marca registrada.


Curiosamente, o roteirista de Tipos de Gentileza não é Tony McNamara, parceiro de Lanthimos em A Favorita e Pobres Criaturas, seus longas mais “palatáveis “, se é que podemos chamá-los assim. O diretor retoma a antiga colaboração com Efthimis Filippou, que co-escreveu Dente Canino (Dogtooth) e O Lagosta (The Lobster), trabalhos, digamos, mais “fora da casinha”. Filippou, conhecido pelo estilo peculiar, traz a Tipos de Gentileza uma visão impiedosa do ser humano, praticamente transformando o longa em uma exploração dos pecados capitais. Gula, luxúria e assassinato são os mais presentes, revelando a escuridão que habita cada personagem. Não faltam canibalismo, automutilação, suruba, carência, dominação. 

As três histórias que compõem Tipos de Gentileza poderiam facilmente figurar como episódios de Black Mirror, tamanha a distorção dos relacionamentos e a presença do controle absoluto, temas recorrentes na filmografia de Lanthimos e na famosa série. 

No primeiro capítulo, A Morte de RMF, Lanthimos explora a submissão total e a perda do livre-arbítrio, temas que remetem a Dente Canino (Dogtooth). A história de Robert (Jesse Plemons) e seu patrão e amante, Raymond (Willem Dafoe), revela o quanto a vida pode implodir quando alguém tenta romper as correntes que ele mesmo aceitou colocar. A performance de Plemons, como um homem que nunca sabe o que fazer com os braços, traz um desconforto cômico, mas o riso é sempre acompanhado de uma pontada de dor.

Já no segundo capítulo, RMF Está Voando, o controle se manifesta em uma forma mais macabra, com o personagem de Plemons tentando assegurar que a mulher (Stone) que voltou da expedição seja realmente sua esposa. A história, embora menos bem-sucedida que a primeira, ainda mantém o espectador envolvido pela estranheza crescente.


Finalmente, no terceiro capítulo, RMF Come um Sanduíche, Lanthimos nos leva ao mundo de um culto bizarro, onde a submissão total é recompensada com doses cuidadosamente divididas de afeto e sexo. A mão pesada do controle se mostra novamente, lembrando-nos que estamos nas mãos de um diretor que adora testar os limites do público.

RMF é o único personagem aparentemente presente nos três segmentos. 

Apesar de alguns momentos de humor e a trilha sonora ousada de Jerskin Fendrix, Tipos de Gentileza não traz o toque visual estilizado que lubrificou os filmes anteriores dele. Filmado em Nova Orleans, a ambientação é estranhamente anônima, contrastando com os mundos vibrantes de suas obras passadas. O filme, com seu ritmo esquisito e cenas emocionalmente áridas, pode parecer trabalhoso e longo demais para alguns, como uma refeição que se arrasta mais do que o esperado.

É especialmente estranho que, após o sucesso de Pobres Criaturas e a exibição de Tipos de Gentileza no Festival de Cannes, o filme tenha uma estreia tão tímida nos cinemas. A expectativa era de que a nova obra de Lanthimos chegasse com mais impacto. A recepção, no entanto, tem sido morna, quase discreta, não correspondendo à trajetória recente do diretor e de sua estrela principal.

Se Pobres Criaturas foi o prato principal, o auge do chef, criativo, surpreendente, que agradou paladares e ganhou prêmios, gerando expectativas pelo que vinha a seguir, Tipos de Gentileza é o prato que, apesar de interessante, talvez tenha sido servido um pouco antes do tempo, deixando o espectador desejando um tempero a mais. Yorgos Lanthimos continua sendo um chef habilidoso, porém desta vez, o sabor ficou um pouco aquém do esperado.

⭐⭐⭐





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