Mary Poppins continua voando alto e brilhando aos 60!

Por Waldemar Lopes 


Mary Poppins é um fenômeno - um raro musical originalmente criado para o cinema que atravessa gerações impressionando pela incrível magia – não só a de sua exuberante heroína, mas também a de sua impressionante qualidade técnica.

Walt Disney prometeu a suas filhas, fãs dos livros de Pamela Lyndon Travers, que faria um filme sobre a babá londrina para elas. Mal sabia que levaria uns vinte anos para cumprir a promessa, devido a todas dificuldades criadas pela temperamental autora.

No começo dos anos 60, Walt voou para Nova York para assistir ao famoso musical Camelot e confirmar o que sua secretária lhe afirmara: que a jovem estrela Julie Andrews seria a atriz perfeita para a personagem. Ele, que a princípio considerava Bette Davis, Mary Martin e Angela Lansbury para o papel, acabou se apaixonando por Julie em cena. Após o espetáculo, ele a surpreendeu nos bastidores convidando-a para ser sua heroína. Atônita e feliz com o convite, ela lhe disse que precisava consultar o marido, o diretor de arte e designer de figurinos Tony Walton e lhe revelou que estava grávida. Walt estava tão certo da escolha que disse que esperaria ela ter o bebê, e a convidou para visitá-lo na Disneyland com a família.  A certeza do genial Walt por Julie como Poppins era tanta que ele a dispensou de testes e ainda contratou Tony para os figurinos e cenários.


Andrews mal podia acreditar nesse golpe de sorte. Recentemente, havia sido esnobada pelo produtor Jack Warner para estrelar My Fair Lady, que ela fez nos palcos por quase quatro anos e que lhe estabeleceu como grande estrela da Broadway. Warner preferiu Audrey Hepburn, famosa. De repente, a decepção de Julie foi substituída pelo prazer de um debut cinematográfico estupendo e que fez história, como uma Cinderela em seu momento de Nasce uma Estrela.

A estreia de Mary Poppins em 27 de agosto de 1964 no lendário Chinese Theatre não poderia ter sido mais promissora. Ao lado de Walt Disney, Julie brilhou intensamente cercada de celebridades. E a carreira do musical decolou dali para frente, arrecadando nas bilheterias dos EUA e Canadá 102 milhões de dólares, deixando o rival My Fair Lady/Minha Bela Dama comendo poeira com 72 milhões. Jack Warner não podia acreditar, mas como diz o site da Academia de Hollywood, nunca subestime Julie Andrews!

A impecável interpretação de Julie é o fator determinante para tudo funcionar perfeitamente no longa: os nuances de doçura e confiança alternando com sua autoridade e precisão. Por vezes exibe uma postura desafiadora, destilando sutilmente uma certa ironia. Tudo com uma bela voz cristalina e uma expressão corporal perfeita, com os pés unidos pelo calcanhar e o caminhar apressado.


Não é à toa que Julie ganhou todos os prêmios nesse debut: o Oscar, o Globo de Ouro, o Grammy e o Bafta, um recorde inigualado iniciando uma carreira ilustre e celebrada. 

Todo o elenco está formidável: Dick Van Dyke é o talentoso amigo Bert, e tem um número espetacular, Step in Time. Ele também convenceu Disney a deixá-lo fazer um segundo papel, o idoso banqueiro Mr. Dawes. Julie contou recentemente que se tornaram grandes amigos desde o primeiro dia de filmagem, a do lindo número Jolly Holliday. Os dois atores continuam atuando: Julie, aos 88 anos é a Lady Whistledown em Bridgerton; Dick acaba de ganhar um Emmy aos 98 por Days of Our Lives! Eles também ganharam o título de Disney Legends (Lendas da Disney). Julie inaugurou a Disneyworld em outubro de 1971 com um lindo show musical pelas ruas, disponível no Youtube e foi homenageada ao ter seu nome dado ao estúdio das filmagens de Mary Poppins em 2001, após filmar lá O Diário da Princesa. Os atores David Tomlinson (Mr. Banks), Glynis Johns (Mrs. Banks), Karen Dotrice (Jane), Matthew Garber (Michael), Ed Wynn (tio Albert), Jane Darwell (a mulher dos pássaros) e Elsa Lanchester (Katie Nanna), ao lado de Julie e Dick, estão todos excelentes sob a direção firme de Robert Stevenson.

Mary Poppins também brilha em outros pontos, como os espetaculares efeitos visuais de uma equipe brilhante que mostrou neste trabalho para onde o cinema estava indo, usando a técnica do processo de vapor de sódio e prisma com uma precisão nunca vista antes, em termos de precisão das cores, contornos e transparências. Foi a partir desses efeitos primorosos de Mary Poppins que filmes como Star Wars e Jurassic Park puderam ter sido feitos. No Oscar 1965, o icônico Alain Delon, falecido recentemente, entregou o  prêmio para esse time incrível sob aplausos entusiasmados de Julie Andrews e Dick Van Dyke.


Aliás, Mary Poppins estabeleceu marcas extraordinárias para a Disney no Oscar: 13 indicações – filme (único não animação da Disney indicado até hoje), direção, atriz (Julie é a única atriz vencedora pela Disney), edição, fotografia, efeitos visuais, figurino (Tony Walton), direção de arte, som, roteiro adaptado, trilha sonora original, trilha sonora adaptada e canção.

Os irmãos Sherman, Robert e Richard, ganharam dois prêmios Oscar, para trilha sonora original e canção/Chim Chim Cher-ee  e definiram a trilha sonora do futuro: elas continuam passeando nas nossas lembranças com suas melodias irresistíveis e letras inteligentes e poéticas. Supercaliragilisticexpialidocious é genial e a palavra entrou para o dicionário da língua inglesa; Spoonful of Sugar, sugerida por Julie, foi inspirada por um dos filhos de um dos irmãos e quando Richard ouviu Julie a cantar pela primeira vez, chorou copiosamente emocionado; Jolly Holiday é encantadora, Stay Awake é lullaby cativante e finalmente, a favorita de Walt Disney, Feed the Birds deslumbra pela beleza de imagem e traz a mensagem do filme, na voz magnífica de Julie. Dizem que depois que Walt faleceu, os irmaõs Sherman iam toda sexta-feira à tarde tocar a música no piano da sala do grande artista em sua memória, numa linda homenagem. Essa trilha esplêndida que se tornou tão icônica como o filme é considerada pela dupla, conhecidos também como The Boys, sua obra prima. Foram dois anos e meio de trabalho e 34 canções compostas, com uma boa parte não aproveitada neste musical.


O Oscar de edição totalizou cinco vitórias para o surpreendente Mary Poppins, cujo sucesso extraordinário possibilitou Walt Disney a realizar mais um sonho: comprar 27000 acres em Orlando para construir sua Disneyworld.

O que talvez ele não podia imaginar é que esse clássico se tornaria tão amado e que seus 60 anos seriam celebrados intensamente. Homenageado em filmes como Esqueceram de Mim 2, O Diário de uma Babá, Guardiões da Galáxia 2 e séries como The Big Bang Theory, Will & Grace, Two and a Half Men, Sandman, How I Met Your Mother e até True Blood e Dexter. Mary Poppins é um dos filmes favoritos de Tom Hanks, Julia Roberts, Emma Thompson, Michelle Williams, Jennifer Garner, Amy Adams, Whitney Houston, Alec Baldwin, Carol Burnett, Patricio Bisso, Christian Slater... a lista não para  por aí.

Há incríveis 60 anos, Mary Poppins/Julie Andrews, com seu guarda-chuva/papagaio, cachecol de lã, chapéu com florzinhas e a bolsa carpete tem descido dos céus para conquistar nossos corações pela vida inteira. Ela continua praticamente perfeita, em todos os sentidos!



Waldemar Lopes é crítico de cinema, artista plástico com obras expostas no Brasil e no exterior, maior especialista em Julie Andrews e Sonia Braga no Brasil, tendo cedido itens de seu acervo pessoal para exposições sobre as duas atrizes no Santos Film Fest - Festival de Cinema de Santos. Há 30 anos faz a tradicional Palestra do Oscar em sua cidade. Em 2016, foi consultor do Festival de Gramado na homenagem à Sonia Braga. 

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