Central do Brasil: A Injustiça no Oscar e a Ascensão do Cinema Brasileiro – Tudo o Que Você Precisa Saber Sobre o Clássico de Walter Salles!


Central do Brasil é um marco na história do cinema brasileiro, representando um renascimento da produção cinematográfica nacional após um período de profunda crise. Sob a direção de Walter Salles, a obra ajudou a reconectar o público com os filmes locais e levou o país a uma posição de destaque no cenário internacional. Foi um dos principais pilares da chamada Retomada do cinema nacional, movimento que trouxe novos ares à indústria e impulsionou uma série de obras de qualidade

Walter Salles, nome promissor no cinema brasileiro, havia dirigido Terra Estrangeira (1995), também de grande importância no movimento de revitalização da nossa filmografia, ao retratar a questão da identidade e do exílio, temas que seriam recorrentes em sua carreira. Central do Brasil foi o projeto que o consolidou como um dos principais cineastas do país e abriu portas para sua carreira internacional. Depois, o cineasta faria Abril Despedaçado (2001), outro filme aclamado que reforçou este prestígio, seguido por Água Negra (2005, caso raro de remake superior ao original japonês) em Hollywood, e mais tarde voltou a trabalhar com Vinícius de Oliveira em Linha de Passe (2008), reafirmando o talento em contar histórias profundas.


Ambientado em um Brasil realista e ao mesmo tempo poético, Central do Brasil narra a jornada de Dora (Fernanda Montenegro) e Josué (Vinícius de Oliveira), dois personagens cujas vidas se entrelaçam em um cenário de perda e busca por redenção. Dora é ex-professora e sobrevive escrevendo cartas (que jamais serão enviadas) para analfabetos na estação de trem Central do Brasil. Se vê inesperadamente ligada ao garoto Josué, que perde a mãe em um trágico acidente. A partir daí, a dupla embarca em uma odisseia pelo interior do Brasil em busca do pai do menino, um homem que ele nunca conheceu.

Escrito por João Emanuel Carneiro e Marcos Bernstein, o roteiro é tocante ao explirar temas universais: solidão, conexão humana e esperança. A relação entre Dora e Josué, marcada inicialmente pela desconfiança e indiferença, evolui gradativamente, revelando as camadas complexas dos personagens e a transformação que a jornada provoca em ambos. A escolha de Vinícius de Oliveira, que era engraxate no Aeroporto Santos Dumont, foi uma sacada dos produtores e conferiu ao longa uma autenticidade ainda maior.

Walter Salles conduziu este road movie abrasileirado de maneira sensível e consegue capturar a vastidão e a diversidade do Brasil em imagens que são belas e melancólicas. A cinematografia de Walter Carvalho desempenha papel crucial: consegue transmitir tanto a dureza da realidade quanto a beleza dos cenários naturais. Cada enquadramento parece pensado para enfatizar o isolamento das pessoas e a vastidão do país. Um contraste poderoso entre a jornada íntima de Dora e Josué e o imenso espaço ao redor deles.


A trilha sonora, composta por Antonio Pinto e Jaques Morelenbaum é a cereja do bolo. Mistura elementos tradicionais e modernos para criar uma atmosfera que reflete a diversidade dessa nação.

Central do Brasil surge em uma época de renovação para o cinema brasileiro. Após anos de crise, inclusive com o fechamento da Embrafilme e produções escassas, a década de 1990 marcou o início de uma nova era, impulsionada por políticas públicas que incentivavam a produção audiovisual. Este período, chamado Retomada, trouxe filmes que conseguiram reconquistar o público nacional e ganhar reconhecimento internacional. O Quatrilho (1995) e O Que É Isso, Companheiro? (1997) também foram indicados ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira.

A estreia do longa no Brasil coincidiu com a exibição de Titanic, fenômeno mundial que dominou as bilheterias. Lançado em 1997, Titanic rapidamente se tornou a maior bilheteria da história do cinema até então, permanecendo em cartaz por meses e continuando a atrair multidões ao longo de 1998. No Brasil, muitas pessoas aproveitaram para fazer sessões duplas, indo prestigiar Central do Brasil e, na mesma ida ao cinema, assistir ou rever a superprodução estrelada por Leonardo Di Caprio e Kate Winslet. 

A repercussão internacional de Central do Brasil foi imediata. O filme conquistou o Urso de Ouro no Festival de Cinema de Berlim, um dos mais prestigiosos prêmios do cinema mundial, e recebeu o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro. 

No entanto, a maior injustiça veio no Oscar de 1999. Central do Brasil foi indicado em duas categorias: Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz, para Fernanda Montenegro. A expectativa era alta, especialmente pela performance de Montenegro, amplamente considerada uma das melhores atuações daquele ano. Contudo, na noite de premiação, o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro foi para A Vida é Bela, de Roberto Benigni, uma obra que, embora emotiva, era uma escolha menos ousada, insossa. Na categoria de Melhor Atriz, a bizarrice foi maior. A estatueta acabou indo para Gwyneth Paltrow por Shakespeare Apaixonado, uma decisão que até hoje gera controvérsias. A vitória de Paltrow, em um infinitamente inferior ao de Montenegro, é frequentemente lembrada como uma das maiores mancadas da Academia. 


Fernanda Montenegro, que já era uma das maiores atrizes brasileiras, consolidou ainda mais tal posição com Central do Brasil. Sua atuação como Dora foi aclamada pela crítica mundial, que reconheceu a profundidade e a sutileza com que ela interpretou uma personagem tão complexa e multifacetada. A atriz conseguiu transmitir toda a frieza e amargura de Dora no início, mas também a transformação gradual da personagem à medida que sua relação com Josué se desenvolve.

Com orçamento modesto para os padrões internacionais, Walter Salles e  equipe conseguiram criar uma obra de grande impacto visual e emocional. As filmagens ocorreram em diversas localidades do Brasil, desde o Rio de Janeiro até o sertão nordestino, cada cenário escolhido para sublinhar a vastidão e as diferenças regionais do país. A escolha por cenários naturais e por atores não profissionais (herança do neorrealismo italiano e que seria usada em Cidade de Deus) em papéis secundários conferiu ao filme um maior realismo.

Marília Pêra, das grandes damas do teatro e da televisão brasileira, fez uma participação marcante ao interpretar Irene, amiga de Dora. O elenco espetacular teve ainda Matheus Nachtergaele, Caio Junqueira e Othon Bastos, este último revelado para nosso cinema em outro filme amplamente reconhecido internacionalmente: O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte.  



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