Crítica | Ainda Somos os Mesmos nos faz reviver os horrores das ditaduras e alerta sobre o futuro



Ainda Somos os Mesmos chega com a força e a urgência de um alerta. Mais do que uma dramatização baseada em fatos, é um poderoso lembrete dos horrores da ditadura militar. Destaca a importância de não deixarmos que essa página sombria da história seja repetida. O diretor Paulo Nascimento, que já havia explorado o tema em Em Teu Nome (2010) - sobre um estudante gaúcho que decide lutar contra a ditadura no Brasil – volta a mergulhar nas tensões de um regime opressor, dessa vez no Chile de 1973, capturando a atmosfera de medo e desesperança.

O diretor nos coloca dentro da opressão do golpe militar chileno, fazendo-nos sentir a angústia dos brasileiros isolados na Embaixada Argentina em Santiago. A tensão, o medo e a incerteza permeiam cada cena, enquanto acompanhamos a luta de Fernando (Edson Celulari) para encontrar o filho Gabriel (Lucas Zaffari), preso ao tentar resgatar a namorada, Helena (Gabrielle Fleck), também capturada pelos milicos. Celulari interpreta um empresário inicialmente aliado dos militares brasileiros, mas começa a questionar sua posição ao ver o próprio filho sendo perseguido no Chile. É nesse arco de transformação que o longa encontra um de seus momentos mais profundos, refletindo as nuances de um regime que não poupa ninguém, nem mesmo seus colaboradores. 

Carol Castro se destaca no papel de Clara, uma sobrevivente que encontra refúgio na Embaixada Argentina. A atriz, que em 2024 estrelou Férias Trocadas, o ótimo Passagrana e Ainda Somos os Mesmos – três papéis completamente diferentes e estes dois últimos dividindo programação em alguns cinemas – demonstra versatilidade e talento. Vive momento brilhante na carreira e não à toa a homenageamos no 10º Santos Film Fest. Sua personagem, mentalmente abalada e sozinha, transmite a fragilidade de quem tenta sobreviver em meio ao caos.


O filme se torna ainda mais necessário após os ataques de janeiro de 2023 em Brasília, quando apoiadores de Jair Bolsonaro tentaram realizar um golpe de Estado. Ainda Somos os Mesmos ressoa como um alerta sobre o perigo de figuras tipo Bolsonaro, Donald Trump, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria – todos representantes de uma política intolerante, totalitária e inconsequente, que tentam nos arrastar de volta a um passado tenebroso. Esses pseudo líderes têm em comum a recusa em largar o poder, e sua ascensão ameaça os pilares da democracia.

A escolha de usar um trecho da música Como Nossos Pais, de Belchior, que ficou famosa na voz de Elis Regina, reforça o elo entre passado e presente. No entanto, o filme opta por não usar a interpretação de Elis, trazendo uma versão mais intimista, que dialoga com o tom melancólico da narrativa.

Ainda Somos os Mesmos abriu o 10º Santos Film Fest e foi ovacionado por quase dez minutos, em uma sala com quatrocentas pessoas emocionadas. É uma obra que toca fundo em nossa memória histórica e política, nos convidando a refletir sobre o presente e o futuro que queremos construir. Paulo Nascimento e equipe nos dão uma ferramenta de resistência e conscientização, uma obra que, infelizmente, se torna cada vez mais urgente.



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