Crítica | Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice, de Tim Burton, Supera o Original ao Intensificar Caos Narrativo


Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice resgata o caos criativo de Tim Burton. O diretor retorna às suas raízes com o mesmo estilo excêntrico que consagrou sua carreira. Esse novo capítulo celebra o cinema anárquico que ele domina como poucos. Em seu aparente descompasso narrativo, há uma intenção clara: mergulhar o espectador em um universo visual onde cenários tortuosos e ângulos absurdos coexistem com personagens que, conforme a tradição em suas obras, não se adequam à sociedade. Estão de volta as referências expressionistas e as colaborações com o compositor Danny Elfman e os atores Michael Keaton, Danny DeVito (em uma breve aparição), Catherine O’hara e Winona Rider. As novas adições são Jenna Ortega (que foi dirigida por Burton em Wandinha), a Wandinha da série do Netflix, e Monica Bellucci: esposa de Burton: a italiana praticamente entra muda e sai calada feito sua personagem na franquia Matrix. Coincidentemente sua personagem, uma vilã que pretende se vingar de Beetlejuice, tem poder e aparência parecidos com uma garota presente na recente série Batman: Cruzado Encapuzado. Ambas são pálidas de cabelos negros longos e sugam a energia das pessoas pela boca. 

O enredo segue Lydia Deetz, trinta e seis anos após os eventos do primeiro filme, agora uma viúva que precisa recorrer novamente ao bio-exorcista Beetlejuice para salvar a filha, Astrid (Ortega), de uma ameaça fantasma. Essa premissa simples é o gatilho para a avalanche visual e narrativa que Burton nos oferece. O filme teve a honra de abrir o 81º Festival Internacional de Cinema de Veneza em 28 de agosto de 2024, reafirmando a importância de Tim Burton no cenário cinematográfico global.

Burton nunca esteve tão à vontade. Ele entrega tudo o que mais ama: personagens deslocados, cenários sombrios e histórias que desafiam o convencional. Se no passado, os filmes do diretor pareciam desordenados, isso é porque a desordem é sua marca registrada, uma escolha estética que reflete uma visão do mundo. Aqui, o cineasta encontra na anarquia uma maneira sensacional de divertir, criando uma obra que, ouso dizer, supera o original de 1988. O caos cômico atinge o ápice, desafia os limites do humor e da bizarrice em uma produção que mantém o espírito devasso que definiu o Betelgeuse de Keaton.

A trilha sonora também não fica de fora desse retorno ao caos criativo. O filme volta a utilizar de maneira criativa "Day-O (The Banana Boat Song)", de Harry Belafonte. .

Winona Ryder reprisa Lydia Deetz, agora uma médium apresentadora de televisão, num retorno à indústria iniciado em Stranger Things. Keaton, por sua vez, escorrega com facilidade de volta ao papel do demoníaco Beetlejuice. 

Jenna Ortega, como a filha de Lydia, carrega bem a atmosfera macabra e juvenil do filme e é escolha certeira ao atrair uma nova geração de espectadores que maratonou Wandinha e viu os recentes longas da franquia Pânico. E há Willem Dafoe vivendo o chefe de polícia dos mortos. O ator dispensa apresentações. Sempre ótimo. 

Burton também se aventura no uso de animação para narrar um flashback, gênero com o qual já havia trabalhado no início de carreira na Disney (quando foi considerado “esquisito” pela empresa) e A Noiva Cadáver (2005). 

Contudo, nem tudo se encaixa perfeitamente. Os diversos elementos do filme muitas vezes coexistem em vez de se integrar de forma fluida. Existem momentos em que os artifícios narrativos, usados para unir os personagens em uma mesma cena, soam tão forçados que acabam virando uma piada interna entre Burton e o público. A construção do submundo como uma sociedade alternativa com regras e moralidade invertidas é divertida. A sátira sobre empregos burocráticos, por exemplo, soa anacrônica, remetendo ao mundo dos anos 80 que não se modernizou com o restante da trama. Ainda assim, isso não compromete a experiência, pois o filme se revela um playground distorcido onde Burton pode brincar com cenários, personagens e sua estética favorita, com a colaboração da figurinista Colleen Atwood, do diretor de fotografia Harris Zamabarloukos e do designer de produção Mark Scruton.

Não é novidade para quem já conhece a filmografia de Burton. Os Fantasmas Ainda se Divertem é o diretor revisitando o próprio estilo, como se voltasse a seus dias de glória analógica. Ele sempre foi uma espécie de Federico Fellini do gótico adolescente: mistura de ilustrador, mágico e comediante de adereços. Nos anos 1990, houve uma tentativa de trazer maior coesão às suas narrativas, embora o caos controlado nunca tenha sido abandonado, como exemplificado por obras tipo Marte Ataca!. 

Com o tempo, seu cinema ficou mais polido, principalmente pelo uso de CGI, e perdeu um pouco da alma artesanal que definia as primeiras produções. No entanto, este  Beetlejuice parece uma resposta a isso. O retorno ao estilo artesanal é evidente: marionetistas, fabricantes de adereços e maquetes de látex se destacam nos créditos finais. É como se cada detalhe, cada imperfeição visível na tela contribuísse para a sensação de que estamos assistindo a algo feito por mãos humanas, não por algoritmos.

É uma obra divertida e nostálgica, que celebra o passado e o presente do cineasta, equilibrando a anarquia com momentos de genuína ternura. Em algum momento, é quase certo que Tim Burton será agraciado com um Oscar honorário, não apenas por ter criado um estilo próprio e inconfundível, mas por ter modernizado gêneros como o expressionismo e o noir, oferecendo ao mundo personagens que, apesar de suas estranhezas, continuam a encantar gerações.

⭐⭐⭐⭐


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