Crítica | John Woo revisita O Matador em versão inferior ao original mas superior à maioria dos filmes de ação atuais


Diretores voltando às suas próprias obras não é novidade no cinema. Às vezes, eles querem brincar com novas técnicas, dar uma atualizada ou simplesmente revisitar temas que estão fervendo na atualidade. E cá entre nós, quem é que não gosta de uma segunda chance? Alfred Hitchcock, por exemplo, fez isso com seu clássico O Homem que Sabia Demais (primeira versão em 1934 e a refilmagem em 1956). Michael Haneke também não resistiu e refez seu próprio Violência Gratuita (1997), agora em 2007, com Naomi Watts e Tim Roth, para o público britânico. Já John Woo seguiu essa mesma linha com a nova versão de O Matador, tentando resgatar a essência do seu icônico filme de 1989, mas adaptando seu estilo para o cinema de ação moderno e o mercado ocidental. Aliás, Woo já tinha se aventurado antes por Hollywood com O Alvo (1993), estrelado por Jean-Claude Van Damme, onde ele começou a moldar seu estilo inconfundível ao gosto ocidental.

Nesta nova versão de O Matador, quem assume a dianteira é Nathalie Emmanuel, a Missandei de Game of Thrones e, mais recentemente, na franquia Velozes e Furiosos. Aqui, ela vive Zee, uma assassina profissional que passa de predadora a presa ao recusar matar uma jovem cantora. Além disso, ela tem que lidar com o persistente policial Sey, interpretado por Omar Sy, famoso pelo seu papel em Os Intocáveis (2011) e, mais recentemente, o charmoso ladrão no seriado Lupin, da Netflix. Esse embate entre os dois sustenta boa parte da narrativa, e já é de se esperar que o talento de ambos levante as cenas dramáticas – ou de ação, que por sinal, são marca registrada do cineasta. .

E falando em ação, o visual do filme não decepciona. John Woo, como sempre, entrega uma direção dinâmica e cheia de energia. Ele brinca com o dolly, jogando a câmera para frente, para os lados, combinando com o slow-motion de forma impecável, dando aquele toque de elegância às cenas de luta. Woo nunca foi adepto da “câmera tremida” que deixa a gente confuso sobre quem está socando quem – não, ele prefere nos deixar saborear cada detalhe das coreografias: valoriza o trabalho dos dublês e a beleza dos movimentos. O equilíbrio entre efeitos práticos e digitais também chama atenção, mantém o visual moderno, mas sem perder a visceralidade. 


Mas apesar de toda essa pirotecnia visual, a nova versão não tem o mesmo impacto emocional do clássico de 1989. No original, havia aquela estética crua e cheia de estilo do cinema de Hong Kong, que aqui dá lugar a uma produção mais “polida”, quase com cara de blockbuster ocidental. E quem se lembra das pombas e das lutas coreografadas como se fossem balé? Agora elas parecem mais um aceno para os fãs do que algo que faça parte da trama. O mesmo vale para o peso moral e emocional da história, que fica diluído em um enredo previsível e personagens que, apesar de bem desenvolvidos, não têm a mesma carga trágica do original.

E tem mais: o romance, que era uma das colunas emocionais do filme de 1989, foi deixado de lado. Naquela versão, havia uma tensão entre o bandido e o policial que questionava os limites éticos de ambos. O protagonista vivia o drama de ter cegado sua amada, o que intensificava a carga emocional da trama. Agora, em 2024, Zee não tem laços tão profundos com a mulher que tenta salvar – ela só vê nela uma chance de redenção. Isso muda bastante a profundidade do drama, substituído por uma abordagem mais religiosa e maniqueísta. Não é que não funcione, porém perde aquela complexidade que fazia do clássico algo tão irresistível.

No final das contas, The Killer de 2024 é um filme de ação sólido, bem dirigido, com aquela estilização que todo fã de John Woo adora. Falta o impacto emocional e a originalidade que tornaram o filme de 1989 um clássico. Para os padrões de hoje, é bem executado e cheio de invenção, mas sem o peso perene que marcou a versão anterior. Ainda assim, se essa releitura inspirar o público a buscar o clássico de Woo, já teremos uma grande vitória. Afinal, com sua estética única e trágica, O Matador de 1989 continua a influenciar o cinema de ação até hoje – e isso é um legado que dificilmente será apagado.

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