Robert Eggers é, sem dúvida, um dos diretores mais intrigantes de sua geração. Com A Bruxa (2015), O Farol (2019) e O Homem do Norte (2022), construiu uma filmografia marcada por atmosferas densas, um visual primoroso e narrativas que parecem arrancadas de tempos remotos. Não é à toa que a adaptação de Nosferatu gerava tanta expectativa. A questão é que, quando se espera tanto de um cineasta, qualquer deslize, mesmo que pequeno, pode pesar mais. E talvez seja isso que torne essa releitura do clássico de F.W. Murnau tão divisiva.
Eggers traz ao seu Nosferatu uma série de escolhas estéticas e narrativas que encantam e desorientam. A câmera frequentemente se aproxima das paredes ou das roupas dos personagens, preenchendo a tela com texturas antes de cortar abruptamente para outro momento ou cena. É um recurso que remete ao usado por Alfred Hitchcock em Festim Diabólico (1948), onde o mestre do suspense o empregava para dar a impressão de um plano-sequência durante todo o longa – uma necessidade técnica na época, já que os rolos de filme duravam apenas 10 minutos. Mas aqui, Eggers parece utilizar essa técnica para desorientar o espectador, transportando-o entre ações e tempos de forma abrupta e desconcertante.
Visualmente, Nosferatu é deslumbrante. A câmera flutua por paisagens da Alemanha e da Europa Oriental do século XIX, alternando entre o real e o surreal, enquanto uma trilha sonora pesada e inquietante amplifica o terror atmosférico.
Bill Skarsgård (cujos bigode e maquiagem o deixaram uma mistura de Milhem Cortaz e Benito Di Paula) no papel de Conde Orlak é aterrador e grotesco. Sua presença ameaçadora e a obsessão por Ellen (Lily-Rose Depp, filha de Johnny Depp e Vanessa Paradis) se tornam o eixo em torno do qual gira a trama. Enquanto isso, Ellen é o coração pulsante da história, uma mulher presa entre os desejos masculinos e a própria luta por liberdade.
O elenco de Nosferatu também se destaca pela escolha precisa de atores que trazem performances impressionantes e cujas expressões tendem a nos impressionar. Ao lado de Skarsgård e Depp, o filme conta com o talentoso Aaron Taylor-Johnson, que recentemente esteve em Kraven - O Caçador (2024). Emma Corrin, a Cassandra Nova de Deadpool & Wolverine (2024) e Wolverine (2024), vive a melhor amiga da protagonista. Além disso, Ralph Ineson, parceiro antigo de Eggers, interpreta o médico que insiste em fechar aos olhos para o sobrenatural. Eggers tem o costume de trabalhar com os mesmos atores em diferentes projetos, criando uma sintonia que se reflete na qualidade das performances.
Nicolas Hoult, como Jonathan Harker, marido de Ellen e jovem sedutoramente crédulo que inicia a jornada tentando melhorar de vida e acaba se tornando prisioneiro do conde, oferece uma performance sólida, porém seu personagem é gradualmente eclipsado pela obsessão de Nosferatu por Ellen. Willem Dafoe, no papel do Professor Albin Eberhart Von Franz – uma versão do clássico Van Helsing –, brilha em uma atuação austera e perturbadora, trazendo um homem consumido pelo conhecimento e pela dificuldade de transmitir a gravidade do horror que enfrenta.
No entanto, onde Eggers inova, ele também tropeça. Na tentativa de transformar Nosferatu em um comentário feminista, destacando como Ellen é punida pela sociedade por buscar a liberdade – especialmente sexual –, o filme acaba reforçando um tropeço antigo e problemático. O sacrifício de Ellen para salvar a cidade ecoa um padrão visto em tantas narrativas: a mulher que ousa desafiar as normas é punida. Tal qual minha amiga Renata - presente na mesma sessão que eu - observou, talvez já fosse hora de vermos uma história onde a heroína não paga um preço tão alto por sua emancipação, onde o desejo feminino não seja tratado como uma transgressão a ser corrigida.
Eu assisti a esse filme em uma sala lotada. Filmes de terror estrangeiros costumam ter grande apelo comercial no Brasil. No entanto, quem entrou esperando algo tipo Invocação do Mal (2013) ou Annabelle (2014), divertidos mas com suas fórmulas mais convencionais, se deparou com um suspense que transita entre o horror e a tensão psicológica, principalmente pela atmosfera pesada e envolvente, e que, nos momentos de tensão e violência, jamais despertou risos do público. Pelo contrário. Eggers consegue capturar a plateia de forma impressionante: a sala estava silenciosa. Parecia que todos prendiam a respiração, sem ninguém ousar mexer sequer no celular. Quando o filme terminou, o silêncio foi brutal, como se o impacto da experiência tivesse deixado todos os presentes em um estado de transe coletivo.
Nosferatu faz o público refletir não apenas sobre o terror em sua forma mais pura, mas também sobre as mensagens subjacentes que carregamos há décadas. A escolha de Eggers de mesclar as influências do clássico mudo de 1924, do romance Drácula (1897) de Bram Stoker e das adaptações subsequentes cria uma obra que não é um mero remake.
Com direção ousada e visual hipnótico, Robert Eggers continua a ser um mestre na criação de atmosferas e um contador de histórias singular. Entretanto, às vezes, mesmo os mestres podem nos deixar com um gosto agridoce – talvez exatamente porque esperamos tanto deles.
⭐️⭐️⭐️⭐️
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