Por Marcelo Reis
“A música transcende o tempo, pois vive dentro dele, assim como a reencarnação nos permite transcender a vida vivendo-a de novo e de novo”, Bob Dylan no livro “A Filosofia da Música Moderna”
Cantor, compositor, poeta, escritor e vencedor do Oscar, do Grammy e, pasme!, de um Nobel de Literatura, Bob Dylan já foi retratado tanto em documentários (como, por exemplo, "No Direction Home" e "Rolling Thunder Revue", ambos excelentes e dirigidos por Martin Scorsese) como em cinebiografias (como é o caso do sensacional e intrigante "Não Estou Lá", onde Todd Haynes fragmenta o artista em 6 personas distintas: poeta, profeta, marginal, astro, mártir do rock n’ roll e cristão renascido).
Dessa vez é o versátil James Mangold ("Copland", "Johnny & June" e "Logan") que faz um retrato do artista em sua juventude, quando chega em Nova York em meados de 1961 (aos 20 anos de idade) apenas com um violão a tiracolo.
Buscando seu lugar no mundo e sonhando conhecer seu ídolo, o músico Woody Guthrie (que está gravemente doente e internado em uma clínica), Bob acaba conhecendo Pete Seeger (Edward Norton) que viria se tornar seu mentor e lhe abriria as portas para o cenário da música folk americana.
Timothée Chalamet encarna o jovem Bob Dylan com maestria e em uma performance cheia de nuances. Não tenta, por exemplo, imitar a voz do músico, mas consegue alcançar um timbre semelhante e que resulta incrível na tela (por sinal, todos os atores - Timothée, Edward Norton, Monica Barbaro e Boyd Holbrook - cantam com suas próprias vozes e o som e as performances são captadas ao vivo com um resultado notável).
O filme, que abrange de 1961 a 1965, traça de forma discreta o panorama político americano da época (a crise dos mísseis de Cuba, a morte de John F. Kennedy, um icônico discurso de Martin Luther King em que Bob Dylan estava bem próximo assistindo), mostra o processo de criação de algumas canções clássicas de Dylan e um triângulo amoroso entre Dylan, Joan Baez (Monica Barbaro) e Sylvie Russo (Elle Fanning).
A personagem vivida por Fanning teve o nome alterado: na verdade, a Sylvie Russo é Suze Rotolo que foi a 1ª namorada de Dylan quando ele chega a NY.
Foi Suze (a Sylvie, no filme) quem instruiu o músico politicamente, pois ela era envolvida em causas políticas e trabalhava no Congresso de Causas Raciais na época em que se conheceram (1961).
Para Bob Dylan, assim como fazia o “camaleão” David Bowie, por exemplo, um artista deve estar em estado constante de transformação, sem se amarrar a rótulos que empresários, fãs ou críticos tentam lhe impor, por isso é tão crível a sua transição do folk para a guitarra elétrica.
O filme mostra algumas passagens do jovem Dylan observando apresentações de outros artistas (seja da cena folk ou não) e o espectador percebe que ele está muito mais do que simplesmente assistindo, na verdade, ele está absorvendo e apreendendo algo novo para usar ao seu próprio estilo e gosto.
Se o Pete Seeger de Edward Norton foi seu primeiro mentor e padrinho na cena artística (num misto de admiração e inveja que sentia por Dylan, testemunhando um jovem de 20 anos escrevendo canções tão impactantes para o cenário musical e político da época) foi o seu amigo de “troca de cartas”, Johnny Cash (vivido pelo incrível Boyd Holbrook) quem realmente o abraçou e permitiu que Dylan se desvencilhasse de qualquer rótulo que tentassem lhe impor e provasse que, antes de ser a nova cara e voz do folk music (ou de qualquer outro gênero musical), Bob Dylan era e ainda é um artista, um contestador, um poeta, um escritor. Enfim... um ícone cultural, mundial e atemporal.
⭐️⭐️⭐️⭐️
Um Completo Desconhecido [A Complete Unknown, EUA, 2024]
Dir: James Mangold. Com: Timothée Chalamet, Edward Norton, Elle Fanning, Monica Barbaro e Boyd Holbrook
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